Pélago da terra


© Dora Maar



Abrem-se e estreitam-se as vozes, 
os seus inquietantes peitos,
as rosas, e a branca febre da morte vem 
              glorificar-se em vazia
dança de ar, em primaveril aragem, 
no repousado fruto estival,

em fragrância outonal, são as mesmas mãos, 
 e toda habitação, no encoberto bosque, 
a rastejante urze que só perfura a rocha.

Em cada estação se perfura a luz ritmada, 
e nesse circo de luz,
um palhaço, o riso em seu perene encanto, 

e assim se resgata

a linha em seu contínuo esforço, 
                      em suave alimento, em fome,
de monte em monte e pela branda urze - 

                         adentro outro monte.

O seu reflexo compromete o sol, 
faz dançar a roda que sustém
a rosa, e em todos os sons que desmembram 
o mundo - as artes


e linguagens; logo na inversa página se destaca
uma outra luz, a da fabulante rosa: numa estão todas, 
e em cada uma, estãoLouco o mistério, o abismo 
              que peregrina em plano inacabável,
excessivos todos sinais em seu branco olhar, 
a rosa é um pleno

 lugar sentado num comprido espaço e além dele
 o seu branco deserto, faísca, e singular relâmpago

   vai rompendo, sulca em toda a graça. Espectral, 
 a sua imagem oscula a fábula, bichos milagrosos, 

pélagos de terras

colhem em cada forma a que vai mais longe
e em vazio aberto nas mármores dos chãos - 
como quem já  invocasse a multidão.

Lado a lado, no fundo das planícies, ocupa-se 
a rosa com a rosa, cheirando o pesado húmus, 
o seu espelho dentro, antes que o silêncio as lavre, 
e venham suas vozes, ergue-se, cala-se

  no ar apressado, ágil, que se levanta  nesse corpo 

assombrado como em passos já anunciado, 
e que de pronto se levantava sobre
      um manto verde, em vertentes de algas. 

                      Assim era o sinal que se

transfigurava em luzente ferida. E dessa aventura
antiga, ao mar caindo, pela nuvens se fez terras,  
se fez espíritos da terra e pelas raízes

  em coroas de outros céus, essa alma

     de águas é esta rosa de alba - a que dançaria

 em todas as formas, entre espinhos, que celebrava 
 um corpo aclarado pelo vinho que aspirava. Rente 

 à porta como que a sua fala exalta: Quietos! 

    Aos mais quietos dentro em suas formas -
figuras de animais ou plantas - esses que não sendo 
   vão chegar ainda. E já a rosa toca o ar mais

                            leve entre ir e voltar.




Copyright © Luísa Vinuesa. Todos os Direitos Reservados