A hora estática


© John Kosmo




O teu olhar metálico subverte cada
parapeito das janelas. Estás voltado 
para as coisas - 

o teu olhar é essa página
em branco de onde se avista a mão 

luminosa a vadiar como

sombras num vitral de igreja - 
nenhum reflexo

na estrada. O teu olhar metálico está 
prestes a sentar-se 
   à secretária no ponto exacto de sol, 

que a oriente cativa

o sonho. A porta abre-se sem que 
te desperte  e entram estranhas

 personagens para a boca de cena - 
personagens com cábulas na mão. 

E a luminosidade cessa, projectores
concentram-se em cada discurso 
sem nexo - as síncopas
bruscas estimulam a escala cromática 
de sensações.

A porta bate aflitivamente, 
o vento acontece ao sol, trespassas 
 a página branca, as vozes, as luzes,

os corpos em monólogo, trocas 
cada objecto
   sem jamais lhe tocares e resgatas 

  o teu recanto à secretária de onde

te vejo permanecer imagem de ti
mesmo - amores e ciências,
  o horizonte para onde concorre 

nostálgico o olhar e cada
horizonte - os teus olhos que veem 
sempre além da linha

que separa a luz da sombra. A noite, 
já muito antes era noite. A chave 

tinhas selado a porta, exilado
  arcaico e silenciando a mente para 

melhor consigo se encontrar. Ainda 

 a memória de outro tempo quando
deixavas a mesma porta navegar 

a desordem dos sentidos
a embarcar até ao horizonte

dos navios. Há pouco, nessa hora 
   soletradamente estática, vejo-te 

    consomes a hora, peças da insónia 

que fabricas com a dor que não é dor, 
houvesse antes a dor e sendo odor te 

enlodasse à terra. Aqui. Onde te vejo

 cego a questionar a fórmula que vai 
     de ti até ao horizonte: moeda que 

   em volta de si dança, 
a cara a perseguir

a coroa, valsas de baile entre
      infinitos, sem nunca se tocarem




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