Animatógrafo


© Rolland András Flinta



Quando os teus olhos enchem os bolsos 
     de pedras há esse dia
que reflecte o crepúsculo no espelho 
da cidade, e a voz antiga
abre a porta do animatógrafo a partir 

do chão até à geometria

das alturas, esse olhar descendo para 
os absurdos pavimentos
das ruas, e estátuas desmoronam, 
regressam pelas memórias.

Há cromos repetidos para trocar 
em qualquer ocasião: - Numa
pausa de recreio, à espera de um 
cacilheiro - numa esquina de
rua, sobre a ponte à hora de ponta, esses 
espaços em branco
darão lugar a outros espaços, simples 
como a troca de palavras,

transfigurando o velho no insólito: - 
Fáquir estrangeiro ao mal
dos corpos, as imagens ambíguas 
transpiram em contra-luz no
paradoxo do actor, o teatro das sombras - 
o corpo da máquina

e um degrau da história onde as escadas 
fabricam a ondulação
dos corpos em vagas anónimas; certo 
sussurro do computador

atravessa o ecrã da mente, o espelho 
desdobra-se nas imagens
de todos os gestos, de todas as vozes, - 
à deriva no rectângulo
da caixa de programação contínua 
          no consumo pálido dos dias.

É para esse aquém que teus olhos derivam, 
o relógio é o mapa
do génio da garrafa que fala longamente 
o episódio da infância, 
o sotão de onde partias, - 
o membro amputado de um barco ao 

ao compasso do sol tocado pelos dias. 
Os teus passos penetram
as horas, visitam os sinais, as portas libertam 
os risos na retina

e conduzem os gestos à última fila; 
e o teu bolso semeia pedras
que imprimem, uma a uma, 
um testamento de uma única sílaba.





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