Passagem


© Sarah Moon



A mulher aplana a silhueta na janela. 
Soltam-se pedras,
 uma estátua imortal, um pedaço de vento 
em memória,

 transporte para a tempestade, é essa face 
que olha
os prédios que reflectem os olhos - 
essa matéria sólida.

   A mulher não sabe, olha simplesmente 
o que nunca
voltará a olhar – a estrada oblíqua de 
inaudíveis passos.

A mulher com olhos fechados sussurra: – 
Não tenhas
medo - 
  se abrires os olhos com o primeiro vento
da manhã - a tua face beijará 

o cabo do desejo.

  A boca traça um fino ornato do seu acto,
com avidez
o pincel inflige tinta num extenso 
          pergaminho do retrato.

      Permanecer é a doce tortura do amor, 
suspender
                         o juízo
que vê de fora. A mulher revê-se 
na beleza dessa figura,
o perfil que fustiga a carne, a imagem - 

apenas imagem.

A pele crua trabalha o amor à distância 
                    dos ramos e das
sortes, a essência das árvores que 
pontificam os lugares
    em que pressente numa carga volátil - 
                 os dedos da terra.

Terrestre é a voz das encruzilhadas, -
as árvores atrasam a súbita luz que olha 
inteira 
               a passagem dos olhos.  




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