Rapsódia das horas


© Bill Brandt



A brisa sólida das pálpebras, a esfinge disfarça
 um carácter de água que percorre o litoral de
feridas: 
o olhar pesa sob o ventre da profecia -  

  há o clube de gémeos inquietantes no fundo 
da pupila e o nevoeiro retrata a lume a viúva  
de espáduas vermelhas - 
o corpo flácido entre telhados e pombas 

e  cinzas. O telefone aberto, o fio pendente,
cicatriz do tempo. A boca não atraiçoa 
a torre erguida nem o cartaz que abre

    a malícia em horário flexível. Que corpo se 
 ocupa da fala, o rumo certo de Noé & Co, 
o derradeiro concerto 
   em singular harmonia, a valsa excessiva 

que aliena 

 um aniversário com adágios populares e velas –
  cama, mesa,  roupa lavada, o dinheiro cantará 

 quando houver giz a ferir o quadro negro 
a calcular os dias,  as letras e o calendário. 
Os cálculos persistem 

colados ao eco das tabelas, escadas de incêndio 

  do observatório da idade. No limiar da insónia 
    o carrossel deosemáforo decretam um dilúvio 
    de todos os sonhos quando se 

abre o piano. Gershwin, numa estranha gravura,
               a teclar a rapsódia das horas - hóspede 
oracular & eternidade:
              a claridade que anuncia





Copyright © Luísa Vinuesa. Todos os Direitos Reservados  

Outros poemas

Cave canem

As tecedeiras

Fim de linha

Papéis soltos

Pélago da terra

Tango

Os alquimistas