Angelus Silesius
Não
se sabe o que se é
Eu não sei o que sou, eu não sei o que sei:
Uma coisa e não uma coisa, um ponto nulo e um círculo.
(I, 5)
Sou
como Deus e Deus como eu
Sou tão grande como Deus, e Ele tão pequeno como eu;
Ele não pode estar acima de mim, nem eu abaixo d'Ele.
(I, 10)
Deus
está em mim e eu n'Ele
Deus é em mim o fogo e eu n'Ele o brilho:
Não nos será comum o que nos é mais íntimo?
(I, 11)
É
preciso ir além de si mesmo
Homem, erguendo o teu espírito acima do espaço e do
tempo,
Podes estar em cada instante na eternidade.
(I, 11)
Não
captamos Deus
Deus é um puro Nada. Nem o aqui nem o agora O tocam.
Quanto mais tentas captá-lo, tanto mais te escapa.
(I, 25)
A
morte não existe
Eu não acredito na morte. Morrendo a toda a hora,
Fui encontrando sempre uma vida melhor.
(I, 30)
O
céu está em ti
Pára, para onde corres? O céu está em ti.
Procurar Deus noutro lugar, é nunca O alcançar.
(I, 82)
A
rosa
A rosa que aqui a tua visão exterior contempla
Floresceu assim em Deus desde a Eternidade.
(I, 108)
Tu
próprio tens de ser sol
Eu próprio tenho de ser sol; pintar com os meus raios
O mar sem cor da total Divindade.
((I, 115)
O
lugar está em mim
Tu não estás no lugar, mas o lugar em ti.
Se te libertares dele, a eternidade está já aqui.
(I, 185)
O
Lugar é a Palavra
O Lugar e a Palavra são um só, e se o Lugar não
existisse
de eterna eternidade, ele não seria Palavra.
(I, 205)
O
amor é a pedra filosofal
Amor é essa pedra filosofal que separa o ouro da lama,
Que de nada faz tudo e em Deus me transforma.
(I, 244)
O
fim de Deus
Não te garanto que Deus não tenha fim,
Vê só como ele me procura, para repousar em mim.
(I, 277)
O
que conhece tem de tornar-se o conhecido
Em Deus nada é conhecido: Ele é um único Um;
O que se conhece d'Ele, é preciso sê-lo.
(I, 285)
Sem
porquê
A rosa é sem porquê; floresce porque floresce,
Não cuida de si própria, não pergunta se a vemos.
(I, 289)
Vem
de ti a inquietude
Nem a criatura nem Deus te podem inquietar.
És tu próprio (ó loucura!) que te inquietas com as
coisas.
(II, 25)
A
liberdade
Quem não se entrega a ti, ó nobre liberdade,
Não sabe o que ama um homem que ama a liberdade.
(II, 26)
O
indizível
Pensas pronunciar o nome de Deus no tempo?
Nem sequer numa eternidade Ele se diz.
(II, 51)
A
solidão
A solidão é sofrimento; mas se não te isolares
Poderás estar em toda a parte num deserto.
(II, 117)
A
qualidade de Deus
O que é próprio de Deus? Derramar-se na criatura,
Ser em todo o mesmo, nada ter, querer, saber.
(Ii, 132)
Deus
brinca com a criatura
Tudo isto é um jogo que a Divindade faz para si:
Concebeu a criatura por si própria.
(II, 198)
A
disponibilidade verdadeira
A disponibilidade verdadeira é como um nobre vaso
Que tem em si o néctar: tem, e não sabe o quê.
(II, 209)
A
palavra ainda nasce
A palavra eterna ainda hoje nasce.
Onde? Onde tu em ti mesmo te perdeste.
(III, 188)
O
Deus não é reconhecido
O que Deus é não o sabemos: Ele não é nem luz nem
espírito,
Nem verdade, nem unidade, nem o que chamamos divindade,
Nem sabedoria, nem razão, nem amor, vontade ou bondade,
Nem coisa, nem inexistência tão-poco, nem essência ou
afecto,
Ele é o que nem eu, nem tu, nem criatura alguma
Jamais experimentam senão tornando-se o que Ele é.
(IV, 21)
Quem
não é movido não pertence ao todo
O sol anima tudo, faz dançar as estrelas,
Só pertences ao Todo se fores movido.
(VI, 41)
Tornar-se
nada, é tornar-se Deus
Nada se torna o que era antes: se tu nada te tornas,
Jamais da eterna luz hás-de nascer.
(VI, 130)
Final
Amigo, já basta. Caso queiras ler mais,
Vai, torna-te tu próprio a escrita e a essência.
(VI, 263)
Angelus Silesius in A
rosa é sem porquê, Vega, 1991.
Tradução e Prefácio de José Augusto Mourão.
Edição bilingue, a partir da tradução francesa de Roger
Munier.
Selecção de textos extraídos da obra O Peregrino querubínico, ed. 1975.
Selecção de textos extraídos da obra O Peregrino querubínico, ed. 1975.