Mina Loy

 Instrução Religiosa


Esta má aliança

segue o rotineiro costume

das crianças do sexo feminino

Para aderirem às práticas maternas


Enquanto o pai ateu preside

à tagarelice do frequentador da igreja

com comentários irónicos  da sua poltrona


E qualquer que seja

o caminho religioso

para essa bruta

realidade

apressados somos por nossos antepassados


Frequentemente há um par

de adultos ociosos

cúmplices da duplicidade

imposta à sua ninhada


uma suposta aceitação

da graça de Deus

difamado como megalomania humana


semeando o Testamento

com inconcebível castigo


e de Cristo

que

vem com a sua luz

de lírios de banheira

Para dizer “medo -

olhem - não sou eu”

a querer que tenhamos medo


Esse que vergou e agitou o oceano

com os pés sagrados

que supostamente estavam mortos


estão agora suspensos na cabeça

cuidadosamente entrelaçados -

numa ferida de angústia

a verniz vermelho


Desses sangues místicos que secam

misteriosamente

algo como a alma emerge

miseravelmente


e o instinto (de economia) 

em cada célere tentativa

de reconstruir os escombros

plantou um rosto vingador

na escuridão exterior


....


O olhar solitário

da humanidade

olhou para o Néant 

e virou a cara


....


A consciência do Óvulo-Mulher

impulsiva para se comprometer com a justiça 

- para se erguer e seguir

o seu caminho directo e inato

Fora da

evidência da circunstância -


recolhe os bens levitados 

da sua vontade e abre

o horizonte magnético da liberdade

com a alma eterna

oposta à

desintegração


Então esta filha do Êxodo

com a sua herança de imigração

muitas vezes

sai em busca de fortuna”,

por sua vez,

confiando nos termos da literatura,

evitando da determinação dos criadores

de não devolver “entidades enviadas em consignação” 

pelo seu criador, a Natureza,

excepcionalmente na condição

de ser uma moral de

supressão


Para que Paulo e Pedro

nunca

observem que as criaturas

já tiveram Pais

e Mães


E fossem desonrados em seu dever

caso tais espíritos fizessem

uma passagem expressa

por seus corpos familiares

para chegar à Eternidade

tão adorável  quanto originalmente 

prometida


Assim, em qualquer dia

em que ela escolhesse “fugir”,

a esquinas de Kilburn

se aproximariam de Óvulo-Fêmea

para a devolver

às mãos de seus procriadores


Oráculo da civilização

Não viverás apenas de sonhos,

mas de todo o desconforto

que provém da

legislação”



Mina Loy in Lunar Baedeker and Times-Tables, 1958.

Versão livre em Português de Luísa Vinuesa.



Cilindros Humanos


Os cilindros humanos

Girando no enervante crepúsculo

Que cerca cada um mais perto do mistério

Da singularidade

Entre o lixo de uma tarde sem sol

Tendo comido sem provar

Conversado sem comungar

E pelo menos dois de nós

Amamos um pouco

Sem procurar

Saber se as nossas duas misérias

Na lúcida correria dos autómatos

Poderiam formar um opulento bem-estar


Simplificações dos homens

No enervante crepúsculo

A sua indistinção

Serve-me o âmago do seu âmago

Quando no frenético alcance de intelecto a intelecto

Se inclina comunicando testa a testa

Sobre o abismo da potencial

Concordância da respiração

Vergonhas

Ausência de correspondência entre o sensorial verbal

E a reciprocidade

Da concepção

E da expressão

Onde cada um se projecta além do tangível

Um rastro fino e pálido de especulação

Que de entre nós enviamos

Para o enervante crepúsculo

Uma pequeno gemido de besta

Cujo desejo

É voltar furtiva à toca antediluviana

E um tentáculo elástico de intuição

Para tremeluzir entre as estrelas


A imparcialidade do absoluto

Destrói a polémica

Ou o que de entre nós não

Recebendo o Espírito Santo

O agarraria e aprisionando

O viesse a perder

Ou na problemática

Destruiria o Universo

Com um única solução



Mina Loy in The Last Lunar Baedeker1982.

Versão livre em Português de Luísa Vinuesa.



Guia de Viagem Lunar


Um Lúcifer prateado

serve

cocaína numa cornucópia


Para alguns sonâmbulos

de coxas adolescentes

drapeados

em cortinas satíricas


Peris em libré

preparam

o Lete

para festas póstumas


Avenidas delirantes

iluminadas

com as almas dos lustres

de infusórios

das lápides do Faraó


conduzem

a dias do juízo mercurial

Oásis odioso

em fósforo sulcado


a região da clara luz

o olho branco da clarabóia

das luxúrias lunares.



Mina Loy in The Lost Lunar Baedeker: Poems of Mina Loy, 1996.

Versão livre em Português de Luísa Vinuesa.



Nota: Poemas originalmente publicados online em: Poetry Foundation.