W. S. Merwin


A VELOCIDADE DA LUZ


Tão gradual naqueles verões foi a passagem

da idade parecia que os longos dias que se iniciavam
quando as estrelas desapareceram sobre as montanhas não estavam
a deixar-nos quando os pássaros acordavam a cantar e o orvalho
brilhava nas teias parecia então que a manhã clara
ao abrir-se para o céu era algo nosso
para ter e manter e que o brilho que não poderíamos tocar
e o ar que não conseguíamos segurar esteve lá o tempo todo
para nós e nunca se iria embora e que o eixo
nunca ouvimos dizer que não rodava quando o carro antigo
tossiu no celeiro do carpinteiro e rebolou ecoando
a primeira coisa a entrar em pista e o único tractor
na aldeia retumbou e entrou em seu ferrugentos
murmúrios antes de sair do seu alpendre
no bater leve das vacas e à sombra da tília
não vimos que as andorinhas piscavam e as fagulhas
dos seus gritos eram rápidos nos raios do vazio
roda que girava e girava levando-nos
a todos juntos com os pneus da carrinha do padeiro
onde as rodas de pão estavam empilhadas como dias em calendários
indo e vindo de uma só vez não ouvimos
a margem da hora em tudo o que estávamos a dizer
ou tocar todo o dia pensávamos que estava ali e ficaria
foi apenas quando a tarde se alongou
no relógio e as sombras se estendiam cada vez mais longe mais longe
de tudo que começamos a ouvir o que
poderia estar a escapar-nos e ouvimos vozes altas a tocar
na aldeia ao pôr do sol a chamar os seus animais para casa
e depois os morcegos após anoitecer e o silêncio na sua estrada



OS BARCOS SÃO FEITOS EM SILÊNCIO


Amarrados na mesma argola:
A hora, a escuridão e eu,
As bússolas como falcões encapuzadas.

Agora dói-me a tua memória,
Com a onda de pedaços quebrados que do porto nunca partiram,
Em que uma vez planeámos viagens,
E vêm batendo como corações interrogando:
Que partidas houve nesta maré?

Um sopro de terra, um hálito quente,
Apertam o frio ao redor do umbigo,
Embora todas as costas, salvo a primeira, tenham sido estrangeiras,
E a primeiro só regressou a casa quando abandonada.

A nossa escolha é nossa, mas não a fizemos
Contendo como o faz, o nosso destino
Circundado com perdas como com corais, e
Um destino apenas até ser inteirado.

Deixei-te a minha esperança para te lembrar de mim
Embora haja agora pouca semelhança.
Neste momento não podia acreditar em nenhuma mudança
O mastro interminavelmente
Vacilando entre as mesmas constelações,
A noite nunca retirando a sombria virtude
Do porto moldado como um coração,
O mar pulsando como um coração
O céu arqueado como um coração
Onde sei que a luz irá quebrar como um grito
Acima de uma qualquer descoberta:
"Vazio.
Vazio! Olha!"
Olha. Esta é a manhã.



PALAVRA


No último minuto uma palavra espera
nunca ouvida desse modo antes nunca
repetida ou jamais recordada
que sempre foi uma palavra familiar
usada ao falar em linguagem comum
recorrências quotidianas da vida
não recém-escolhida ou no tempo ponderada
ou um assunto para comentar de seguida
quem teria pensado que era essa a única
a ser dita desde os primórdios através de
todos os seus usos e circunstâncias para
exprimir finalmente esse significado próprio
para o qual há muito era a única palavra
e pareça agora que qualquer outra serviria




W. S. Merwin in Poems, Poemhunter, The World's Poetry Archive, 2004.
Versão livre em Língua Portuguesa 
de Luísa Vinuesa.

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