Claudia Emerson
Ecologia
A amargura, aqui, não é coagulante ou conservante;
é, depois de tantos
anos, uma ecologia, algo que cultiva
como o musgo que cresce
entre as pedras do jardim; não confiando
o seu amor comprovado pela sombra,
deita-lhe leitelho cuja acidez
sabe ser agradável.
Como isto se atreve a lembrá-la da tia-avó
que a criou, da estola de vison
que usava para ir à igreja, coisa preciosa, criada em gaiola,
criada para o pescoço.
Lembra-se da pequena corrente que a prendia,
a forma como parecia segurar
as suas patas traseiras nos seus dentes, o brilho do espelho
dos seus olhos. A forma como a via
a ela e só a ela.
Maquilhadora da Casa Mortuária
O armário dos medicamentos tornou-se nela, o seu rosto
uma pequena porta que abre
e fecha – o seu armazém de curas guardadas,
receitas para a tristeza,
um frasco para si própria na escola de beleza, os cadáveres
para os quais treina - o seu corpo
a parede, a tomada e o ralo. Diariamente
usa um avental largo,
bolsos abertos, transporta um carrinho plástico
rígido - um arsenal organizado
de pequenas tesouras, pinças, uma lâmina de barbear, loções,
e delineadores para os olhos,
para os lábios. O centavo na língua é ideia dela,
pensa, um losango acobreado
não muito diferente da tristeza que saboreia
ao gastar e gastar assim -
esta, sílaba insolúvel.
Garrafa Impossível
Recordo-a como uma lente — grossa, dimensionada -
o seu pescoço o arrolhado
limiar de uma câmara, a câmara
um encapsulamento
do navio, um rápido veleiro, gracioso e esguio, as suas velas
imaculadas, os delicados
fios do seu cordame. Esse tipo de vidro verde
que a minha mãe tinha apenas visto
em cataventos ou como parte decorativa
de um pára-raios, o vidro,
a prova esculpida de sobrevivência de um impacto que
ainda não tinha acontecido.
…
Quando era pequena, conduzimos apenas uma vez
até ao oceano, todos tínhamos
medo desse tipo de água, desse horizonte.
No dia em que partimos para casa,
disse-me para encher uma garrafa com ar, para roubar
outras como recordação
para abrir e respirar numa noite de inverno
quando a janela do meu quarto
no sótão me trancaria e ameaçaria fazer-me
esquecer esse dia, o seu ar perigoso.
…
E lembra-se com exactidão de como o navio
aí entrou - suspenso,
engarrafado contra o vento e a água, sem deriva
no mar morto do armário
onde o guardaria; ela era, então, jovem
e nunca tinha visto o oceano.
Estava já a usar um anel numa corrente
à volta do pescoço para o esconder
da mãe dela. A chegada do navio fantasma
foi pelas mãos de um homem
na feira, que lhe levou dinheiro para a deixar
vê-lo deslizar o corpo magro e inerte,
para dentro da garrafa e depois -
com a mestria de um único puxão
de linha – fazê-lo erguer-se para o além
da sua casa que está selada, agora,
como diz, deve ser para os demasiado velhos.
Agora raramente abre uma janela,
mesmo no dia mais ameno - impossível
como sempre foi
preocupar-se demasiado com o vento.
Claudia Emerson in impossible bottle: poems, Louisiana State University, 2015.