Alfred Kreymborg


AMÉRICA


Para cima e para baixo aí vai ele
com passos terríveis e incautos,
balançando enormes lanternas
balançando alegremente -
uma para o Leste
e outra para o Oeste -
e balançando as duas palavras
num estrondoso clamor
que toca os corações de todo o inimigo:
Todos, Um; Todos, Um; Todos, Um; Todos, Um!
Cuidado com esse estranho, selvagem e adorável garoto
e o seu pátio de recreio; não se aproximem!
Todos, Um; Todos, Um; Todos, Um; Todos, Um!
Aí vai ele para cima e para baixo.



TEOLOGIA


A noite é uma tenda de circo.
As estrelas são espirais
que os maus da fita fizeram
para nos espiar.
Por que os deuses não são como nós?
Por que não pagam bilhete 
e entram como fizémos?
São pobres?
São batoteiros?
Temem que os transformemos em palhaços?
Supõe que o fazemos;
os palhaços não são os deuses do circo?
Qual é o problema com esses sujeitos?
Diz-lhes que desçam
e entrem à borla.
Não queremos que fiquem a olhar para nós.
Isso incomoda os artistas.



UNIVERSO


Há uma voragem abissal,
um universo de sangue -
sempre.
A tua boca contra a minha,
e uma calma celestial,
um universo de ti -
ao invés.



COGUMELOS


     Os cogumelos brotam durante a noite, disseram-me - a verdade ou a razão, deixem que os botânicos o provem. Isso sei, posso dizer: quando vou para a floresta que amo, posso encontrá-los em todos os lugares. Um de um tom requintado de azul, outro de um vermelho apaixonadamente clamoroso; um de uma delicadeza élfica de forma, outro um sonho distorcido de Lear. Posso encontrar cada um, posso encontrar todos, e mesmo assim não ouso colhê-los. A floresta, tão rica, tão pródiga, tão majestosa, não pararia de crescer mesmo que os colhesse o dia inteiro. Mas não o faço, não vou fazê-lo - morreriam, eu sei.


     Os cogumelos brotam durante a noite em meu coração - a razão, deixem que os filósofos adivinhem. Isso sei, isso posso afirmar: miríades e miríades encontrei lá embaixo, mas apenas um punhado colhi até ao momento. Arranquei, sim, os poucos que pude, para que não morressem com esses que não consegui alcançar. Um deles era um estado de espírito de forma pálida e frágil; outro, um duende caprichoso; outro era um filho das sobrancelhas negras de Lear -


    Levo-os até ao sótão da minha estufa, levo-os ao meu jardineiro para que os cultive.




Alfred Kreymborg in MUSHROOMS: A Book of Free Forms, John Marshall, Co, Ltd, 1916.

Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa 

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