Margaret Atwood


AS PALAVRAS SEGUEM A SUA JORNADA


Os poetas sofrem realmente mais
do que as outras pessoas? Não será
apenas porque tiram fotografias
e são vistos em público a fazer isso?
Os manicómios estão cheios de
quem nunca escreveu um poema.
A maioria dos suicídios não é de
poetas: uma boa estatística.

Alguns dias, porém, quero ainda
ser como as outras pessoas;
e vou então conversar com elas,
com essas pessoas que deveriam ser
outras, são muito parecidos conosco,
excepto que lhes falta o tipo de coisa
que pensamos ser como uma voz.
Dizemos a nós próprios que são mais fracas
do que somos, menos definidas,
que são aquilo que definimos,
que estamos a fazer-lhes um favor,
o que nos faz sentir melhor.
São menos elegantes em relação à dor do que nós.

Mas olha, disse nós. Embora possa odiar-te
como indivíduo, e nunca te querer ver,
embora prefira passar o meu tempo
com dentistas porque aprendo mais,
falei de nós como nós, reunindo-nos
como membros de alguma maldita caravana,

é assim que nos vejo, viajando juntos,
as mulheres veladas e sozinhas, com esse olhar intumescido
e os olhos desviados,
os homens em grupos, com os seus bigodes
e senhas e bravatas
no lugar onde estamos presos, no lugar que escolhemos,
uma peregrinação que tomou a trilha errada
em algum lugar distante e terminou
aqui, em pleno brilho
do sol, e as duras sombras rubro-negras
lançadas por cada pedra, cada árvore morta, sinistra
em suas particularidades, a sua gravidade duplicada, mas flutuando
ainda na auréola de pedra, de árvore,

e não estamos mais condenados do que outros, enquanto
estamos juntos, através deste terreno lunar
onde tudo é seco e perecível e tão
vívido, nas dunas, desaparecendo de vista,
desaparecendo da vista um do outro,
desaparecendo fora da nossa própria vista,
em busca de água.



INTERLUNAR


A escuridão espera por ela, independente de qualquer ocasião;
como a tristeza, está sempre disponível.
Esta é apenas de um tipo,

o tipo em que existem estrelas
acima das folhas, brilhantes como pregos de aço
e incontáveis ​​e sem se notar.

Caminhamos juntos
sobre folhas mortas e molhadas na lua intermédia
entre as rochas nocturnas iminentes
que seriam cinza rosada
à luz do dia, roídas e amolecidas
por musgos e samambaias, que seriam verdes,
no cheiro a mofo de fermento fresco,
de árvores apodrecendo, terra regressando
a si mesma para si mesma

e seguro a tua mão, que tem forma de uma mão
se realmente existisses.
Desejo mostrar-te a escuridão
de que tens tanto medo.

Confia em mim. Esta escuridão
é um lugar onde podes entrar e estar
tão seguro quanto em qualquer lugar;
podes colocar um pé na frente do outro
e acredita no que vês p'lo canto dos olhos.
Memoriza-o. Saberás tudo isso
novamente em seu próprio tempo.
Quando as aparências das coisas te abandonarem,
terás ainda essa escuridão.
Algo teu que podes transportar contigo.

Chegamos ao limite:
o lago exala silêncio;
na noite, lá fora, há uma coruja de barro
chamando, como uma mariposa
contra a orelha, da outra margem
que é invisível.
O lago, vasto e adimensional,
tudo duplica, as estrelas,
as pedras, em si, até mesmo a escuridão
em que podes andar tanto tempo
até que em leveza se transforme



VOANDO DENTRO DO TEU PRÓPRIO CORPO


Os teus pulmões enchem & abrem,
asas de sangue rosa e os teus ossos
quando se esvaziam tornam-se ocos.
Quando inspiras, sobes como um balão
e o teu coração é imenso & leve,
batendo de pura alegria, puro hélio.
Os ventos brancos do sol sopram por ti,
nada existe acima de ti,
vês a terra agora como uma jóia oval,
radiante & azul marinho com amor.

Apenas em sonhos podes fazer isso.
Acordando, o teu coração tem o pulso trémulo,
uma poeira fina obstrui o ar que respiras;
o sol é um peso de cobre quente em linha recta
na grossa casca rosada do teu crânio.
É sempre o momento antes do disparo.
Tentas e tentas subir, mas não consegues.



METEMPSICOSE


A avó de alguém desliza pelas samambaias,
em preto de viúva, graciosa
e afiada como sempre: vê como os seus olhos brilham!

Quem eras tu quando eras uma cobra?

Essa era um bailarina que é agora uma
serpentina verde agitada pela própria brisa
e aqui está o teu tio listrado e rude, voltou
para te aquecer sob as cadeiras de vime
na varanda e cuidar de ti.

Libertando-se da sua pele moldada,
a cobra proclama a ressurreição
para todos os crentes

embora certos logo se cansem de nascer
de novo e renascer; para esses há o respirar
que treme na relva amarela,
dedo de papel, meio laço, uma convocatória
para o rio morto.

Quem é esse que está no frio porão
com as maçãs e os ratos? De quem é
essa voz de casca raspando ao vento?
O teu filho perdido sussurrando Mãe,
esse filho a mais que nunca tiveste,
O filho que dentro a ti quer regressar.




Margaret Atwood in Selected Poems II, Selected Poems & New 1976-1986
Houghton Mifflin Harcourt, 1987.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.

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