Laura Riding


COM O ROSTO


Com o rosto vai um espelho

Tal como com a mente um mundo.

A semelhança diz ao olho duvidoso

Que a estranheza não é estranha.

Ainda cedo e com conhecimento

A identidade ainda não familiar

Olha para si mesma, no passado,

E parece ser agora ela mesmo.


Hoje parece agora.

Com a realidade futura, o tempo passa.

Com a mente vai um mundo.

Com o coração vai um clima.

Com o rosto vai um espelho

Como acontece com o corpo, um medo.

O eu jovem vai olhar para a parede

Onde o futuro mudo fala calmo,

E entre logo e então

A preexistência envelhece.


O espelho funde-se com o olho.

Em breve será o próprio olho.

Em breve o olho que era

O próprio espelho será.

A morte, a imagem final, brilhará

Transparente não de outra forma

Senão como o negro sol descreve

Com um brilho assaz fatigado.



NA DEVIDA FORMA



Não duvido de ti.

Sei que me amas.

É um facto do teu rosto interior,

Uma verdadeira fantasia da tua musculatura.

O teu passo é confiante.

O teu olhar é meticuloso.

A tua permanência ao meu lado é um travesseiro

Para fazer rolar

E em cima dormir sozinha.


Mas faz-me uma declaração

Na devida forma em papel almaço interminável

Testemunhada perante um notário

E enviada por correio, registado,

Para ser assinada ao receber

E aberta sob juramento para acreditar;

Um papel antigo a faltar no meu cofre,

Um elo para agarrar quando o granizo tortura a chaminé

E relâmpagos em círculos vermelhos ao redor da cidade,

E o teu passo rápido e olhar meticuloso

São galantes, mas incircunstanciais,

E omitidos num livro de final destruição.


O MUNDO E EU


Isso não é exactamente o que quero dizer

Assim como o sol não é o sol.

Como dar um significado mais próximo

Se o sol apenas brilha aproximadamente?

Que mundo de estranheza!

Que instrumentos hostis de sentido!

Talvez este seja um significado tão próximo

Que talvez em tal conhecimento se torne.

Caso contrário, penso que o mundo e eu

Devem viver juntos como estranhos e morrer -

Um amor azedo, cada um em dúvida se

Já representou alguma coisa amar o outro.

Não, é melhor que ambos tenham quase a certeza

Cada um de sua parte - exactamente onde

Exactamente eu e exactamente o mundo

Falhámos o encontro por um momento e palavra.


O RECANTO DO POETA


Aqui onde o fim do osso não é o fim da canção

E a terra está enfeitada com imortalidade

No que era poesia

E agora está acompanhada pelo orgulho

E nacionalidade,

Aqui está uma batalha sem bravura

Mas se a língua do covarde se calou

Espadando o seu próprio pulmão vigoroso.

Oiçam se há vitória

Em escrever numa biblioteca

Agitando os livros em estandartes

Enfim, militarmente, para as linhas

Vão marchando, livres da alma.


E felizmente podem descansar agora

Além de qualquer suspeita, os incompreensíveis

Traidores em tal conversa

Como tagarelam sobre as fronteiras de seus países.

Os túmulos são ajardinados e os sussurros

Param nas sebes, ouve-se cantar

Sobre isso nas fileiras, há um silêncio

Onde o chão tem limites

E o resto é beleza.


Beleza?

A morte entende bem disso,

Leal a muitas bandeiras,

Aliada silenciosa de qualquer país,

Acossada no seu mortal coração

Com poesia imortal.


O SIMPLES VERSO


Os segredos da mente esplendidos reúnem-se,

Embora a mente seja tranquila.

Estar consciente interiormente

do cérebro e da beleza

É obscuro e reconhecível.

Pensamento ao olhar para o pensamento

Faz um olhar:

O que será, ambos decidem.

Um está sozinho com a mente,

O outro está com outros pensamentos desaparecidos

Para serem vistos de longe e desconhecidos.


Quando abertamente essas visões mais íntimas

Brilhem e inteiramente falem,

Cada cabeça em casa treme em desespero

De nunca estar pronta para se ver a si mesma

E vê demasiado cedo um universo.

A imensa suposição girando e girando

E as cabeças crescem sábias

Com sua própria grandeza beatificada

No cosmos, e no tamanho idiota

Dos crânios soletra a Natureza no chão,

Enquanto os ouvidos relatam de modo errado

Ecos primeiro, e as palavras antes dos sons

Pois a mente, quieta, parece em atraso.

Pelos ouvidos as palavras são copiadas em livros,

Pelas letras as mentes aprendem a auto-ignorância.

Das bocas brotam vocabulários

Para designar um conjunto de objectos estranhos

Crescidos como estrangeiros no campo fiel

De um rei, a pobreza,

De uma linha, a humildade.

Horizontes inconfessados e o orgulho

Reclamam espaços na cabeça,

A cabeça nativa vê o exterior.

A torrente de admiração que sai dos olhos

Retorna lição por lição.

A mente, encolhida pelo tempo,

Transborda cedo demais.

A visão completa é a mesma

Como quando a mundialidade iniciou

Os mundos para descrever

O excesso do homem.


Mas a porção correcta do homem rejeita

O excedente no todo.

Isso, feito em segredo primeiro,

Agora torna

Cgnoscível, o que era

Carne prévia ao pensamento,

E dá instruções de substânvia à sua inteligência

No que diz respeito à própria carne,

Como corpos sobre si mesmos até onde

A compreensão é a cabeça

E a identidade da respiração e respirar são estabelecidos

E a voz se abrindo para gritar: eu sei,

Encerra em torno de toda a declaração

Com esta evidência de imortalidade -

O silêncio total para dizer:

estou morto.


Pois a morte é toda feia, toda adorável,

Proíbe os mistérios de fazer

Ciência do esplendor, ou qualquer revelação separada

Da beleza para a mente fora do livro do corpo

Que página por página agita um mundo em fragmentos,

Não permite escrever mais

Onde estão os espaços,

Somente olhar.


O corpo enquanto Corpo está mais do que imóvel.

O resto parece nada e nada é

Se nada for necessário.

Mas se for necessário,

O pensamento indiviso de qualquer modo

Responde sozinho, pensando

Tudo em aberto e em todas as coisas.

Morta é a mente que separou cada cabeça.

Mas agora os segredos da mente se reúnem

Sem orgulho, sem dor

Para qualquer espectador.

O que ordenam por si só

Não pode ser conhecido

O modo comum dos olhos e ouvidos

Apenas profetizado

Se uma mente inatural, recusando dividir-se,

De imediato morre

Da beleza mais simples

De súbito revelada dentro,

E os lábios abrem-se de espanto

Sobre a viva boca e ensaiam

A morte, que parece um simples verso,

E, de todos os modos de saber,

Morto ou vivo, o mais fácil.


SIM E NÃO


Através de um continente imaginário

Porque não pode ser descoberto agora

Neste planeta totalmente apreendido...

Não há mais candidatos considerados,

Ai de mim, ai de mim -


Correu um animal não zoológico,

Sem destino, sem factos,

A sua história privada intacta

Contra a farsa

De uma anatomia.


Nem visível nem invisível,

Removido pela noite sem dia,

Alguma vez voou em seu solo

Da fantasia para a luz,

No espaço para substituir

A sua morte impossível de escrever?


Ah, os minutos brilham dentro e fora

E entram e saem, vêm e vão

Um por um, nenhum por nenhum,

O que sabemos, o que não sabemos.



Laura Riding in  Poems, Poemhunter, The World's Poetry Archive, 2004.

Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.

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