Marianne Moore
O QUE SÃO OS ANOS?
vem a coragem: a questão sem resposta,
a
dúvida resoluta -
chamando silenciosamente, ouvindo
surdamente - isso
é infortúnio, até a morte,
encoraja os outros
e em sua derrota, agita
a
alma para ser forte? Vê
fundo e alegra-se quem
aceita a mortalidade
e ergue-se em sua prisão
sobre si
mesmo como
o mar num abismo, lutando por ser
livre e
incapaz de ser,
e em sua rendição
encontra a persistência.
Assim, aquele que sente fortemente,
se comporta. O próprio
pássaro,
ao crescer mais alto
enquanto canta,
alonga forte a sua forma. Embora cativo,
o seu poderoso
canto
afirma, a satisfação é uma humilde
coisa, como uma
pura coisa é alegria.
Isso é mortalidade,
isso é eternidade.
POESIA
A mim também não me agrada.
Mas
lendo-a com perfeito desprezo
des-
cobre-se nela,
afinal, lugar para o genuíno
SILÊNCIO
não em silêncio, mas contenção."
POR DISPOSIÇÃO DOS ANJOS
Mensageiros muito parecidos conosco? Explique.
A
firmeza que a escuridão torna explícita?
Alguma coisa ouvida
com clareza quando não está próxima?
Acima das particularidades,
essas outras particularidades rezam para
não ser violadas.
Alguém
viu, com firmeza nunca contestada,
como pela escuridão se aperfeiçoa uma estrela.
Estrela
que não me interroga se a vejo?
Abeto que não gostaria que o
arrancasse?
Discurso que não me pergunta se o
escuto?
Mistérios expõem mistérios.
Mais firme do que estável, a
estrela que me deslumbra, exultante e viva,
não é necessário afirmar, como alguém que conhecemos;
parecida com ela, parecida com ele, e um - tremor para sempre.
AMOR NA AMÉRICA?
Seja o que for, é uma paixão -
uma demência benigna que
deveria ter
engolindo a América, alimentada de modo
oposto ao caminho
em que o Minotauro foi alimentado.
É um
Midas de ternura;
vinda
coração;
nada mais. De alguém com habilidade
para
suportar ser mal interpretado -
assumir a culpa, com "nobreza
assim
se age", identificado com
uma profundidade pioneira
sem atrevimento ou
grandeza
nutrida de
frivolidade
subterrânea.
Seja o que for, que seja sem
afectação.
Sim, sim, sim, sim.
JARDINAGEM IMPRUDENTE
Se o amarelo indica infidelidade,
Sou uma infiel.
Não poderia
aceitar a hostilidade de uma rosa amarela
por livros dizerem que o amarelo era um mau presságio
e o branco o bem augurava.
Mas, a tua fruição
particular,
o sentido de privacidade,
pode deveras provocar
ouvidos que se ofendem, e é inútil
a insolência tolerar.
O PASSADO É O PRESENTE
Se a acção externa for efectuada
e a rima estiver fora de moda,
a ti regresserei
Habakkuk, como
quando numa aula bíblica
o professor falava de versos sem rima.
Ele disse - e penso que
repito as exactas
palavras -
"A poesia Hebraica é prosa
com uma consciência elevada." O êxtase promove
a ocasião e a oportunidade aponta a forma.
POSSO, PODERIA, DEVO
Se me disseres porque o pântano
parece intransitável, então
irei
dizer-te porque penso que posso
caminhar através dele
se tentar.
SER UM DRAGÃO
Se eu, como Salomão,...
pudesse ter o meu desejo -
o meu desejo...
Ó, ser um dragão,
um símbolo do poder do Céu - do
bicho-da-seda
pequeno ou imenso; invisível, às
vezes.
Fenómeno aprazível!
UM ROSTO
"Não sou traiçoeiro, insensível, ciumento,
supersticioso,
arrogante, venenoso ou absolutamente
odioso":
estudando e
estudando a sua expressão,
desespero exasperado
embora sem nenhum impasse real,
ficaria feliz em quebrar o gelo;
quando o amor à ordem, o
ardor, a simplicidade ininterrupta
com uma expressão
inquiridora, é tudo o que alguém precisa de ser!
Certos rostos, alguns, um ou dois - ou um
rostos fotografados por memória -
à minha mente, à minha vista,
devem permanecer uma alegria.
CASAMENTO
Esta instituição,
talvez lhe devêssemos chamar empresa
por respeito ao que alguém
disse ser desnecessário mudar de ideias
sobre algo em que se acreditou,
exigindo promessas públicas
da intenção de alguém
para cumprir uma obrigação privada:
Pergunto-me o que Adão e Eva
pensam acerca disto nesta altura,
este aço dourado
como fogo vivo;
quão brilhante se mostra -
"de tradições circulares e imposturas,
cometendo muitos danos",
exigindo todo o talento criminoso
a evitar!
Psicologia que tudo explica
e que nada explica,
e ainda estamos em dúvida.
Eva: mulher bonita -
vi-a
quando era tão bonita
que me deu um sobressalto,
capaz de escrever simultaneamente
em três línguas -
Inglês, Alemão e Francês -
e entretanto falar;
tão positiva em exigir uma comoção
quanto a estipular silêncio:
“Eu gostaria de estar sozinha”;
ao que o visitante responde,
“Eu gostaria de estar sozinho;
porque não estarmos juntos sozinhos?”
Abaixo das estrelas incandescentes
abaixo da fruta incandescente,
a estranha experiência da beleza;
a sua existência é excessiva;
despedaça a pessoa
e cada nova onda de consciência
é veneno.
"Vejam-na, vejam-na neste mundo comum,"
a falha central
nessa primeira experiência cristalina,
esta amálgama que nunca poderá ser mais
do que uma impossibilidade interessante,
descrevendo-a
como "esse estranho paraíso
diferente da carne, pedras,
magníficos ou dourados edifícios,
a melhor peça escolhida da minha vida:
O coração subindo
no seu estado de paz
como um barco sobe
com a subida das águas”;
constrangido a falar da serpente -
descartou a pele de cobra na história da polidez
para não ser de novo utilizada -
esse inestimável acidente
ilibou de culpa Adão.
E ele é também belo;
é angustiante - o Ó tu
de quem para quem,
sem o qual nada existe - Adão;
"algo felino,
algo semelhante à cobra"- que verdade!
um monstro mitológico agachado
nessa miniatura Persa de minas de esmeralda,
branco marfim de crua seda, branco de neve,
branca ostra e seis outras -
esse cercado cheio de leopardos e girafas -
longos corpos de amarelo-limão
semeados com trapézios de azul.
Vívido com palavras,
vibrante como um címbalo
tocado antes de ser golpeado,
ele profetizou corretamente -
a cascata industriosa,
"o fluxo rápido
que violento leva tudo à frente de si,
outrora silencioso como o ar
e agora tão poderosa quanto o vento."
"Pisando abismos
no pé incerto de uma lança",
esquecendo que há na mulher
uma qualidade de mente
que, como uma manifestação instintiva,
é insegura,
continua a falar
num tom formal e costumeiro,
de "estados passados, o estado presente,
selos, promessas,
o mau sofreu,
o bem regozija,
inferno, céu,
tudo o que é conveniente
para promover a alegria de alguém."
Nele um estado de espírito
entende o que não era
suposto que entendesse;
"experimenta uma alegria solene
ao ver que se tornou um ídolo."
Atormentado pelo rouxinol
nas folhas novas,
com o seu silêncio -
não o seu silêncio, mas os seus silêncios,
diz:
"Veste-me com uma camisa de fogo."
"Não se atreve a bater palmas
para que continue,
para que não levante voo;
se nada fizer, ele dormirá;
se ele gritar, não irá perceber."
Enervado pelo rouxinol
e deslumbrado pela maçã,
impelido pela "ilusão de um fogo
eficaz para extinguir o fogo",
comparado com o qual
o brilho da terra
é uma mera deformidade - um fogo
"tão alto quanto profundo
tão brilhante quanto amplo
como a própria vida",
tropeça no casamento,
" um objeto deveras muito trivial
para ter destruído a atitude
em que se manteve -
o conforto do filósofo,
filho de pai incógnito.
Hímen inútil!
uma espécie de cupido acrescido
reduzido à insignificância
pela publicidade mecânica
desfilando como comentário involuntário,
por essa experiência de Adão
com saídas, mas nenhuma entrada -
o ritual do casamento,
aumentando toda a sua prodigalidade;
Os seus fetos,
flores de lótus, opúncias, brancos dromedários,
O seu hipopótamo-
nariz e boca reunidos
num magnífico funil -
a sua cobra e potente maçã.
Diz-nos
que "por amor olhará
cegamente uma águia,
ou seja estará com Hércules
a trepar às árvores
no jardim das Hespérides,
dos quarenta e cinco aos setenta
é a melhor idade".
elogiando o facto
como uma bela arte, uma experiência,
um dever ou simples divertimento.
Ninguém deve chamar-lhe rufião,
nem ao conflito uma calamidade -
a luta para ser carinhoso:
“não há verdade que possa ser inteiramente apercebida
até que tenha sido testada
pelo dente da disputa.”
A pantera azul de olhos negros,
a pantera de basalto de olhos azuis,
totalmente graciosas -
é preciso mostrar-lhes o caminho
a obsidiana negra Diana
que “escurece a sua expressão
como um urso faz”,
a mão espinhosa
que sente afeição por alguém
e prova-o até aos ossos,
impaciente para lhe garantir
que a impaciência é a marca da independência,
não de escravatura.
“As pessoas casadas costumam ter este olhar” -
“raramente e frio, para cima e para baixo,
misturado e malárico
com um dia bom e um mau dia.”
Nós, Ocidentais, somos tão pouco emotivos,
perdidos, a ironia preservada
no “banquete tête-à-tête de Ahasuerus”
com as suas pequenas orquídeas como línguas de cobra,
com o seu “bom monstro, indica o caminho”,
com pequenas risadas
e generosidade de humor
nessa atmosfera quixotesca de franqueza
em que “quatro horas não existe,
mas às cinco horas
as senhoras na sua humildade imperiosa
“estamos prontas para o receber”;
em que a experiência atesta
que os homens têm poder
e, por vezes, alguém é levado a senti-lo.
Diz ele: “Que monarca não coraria
por ter uma esposa
com cabelo como um pincel de barba?”
O sucesso de uma mulher
"não é o som da flauta
mas ser muito venenosa.”
Diz ela: Os homens são monopolizadores
de estrelas, ligas, botões
e outras bugigangas brilhantes -
impróprios para serem os guardiões
da felicidade de outra pessoa.”
Diz ele: “Estas múmias
devem ser manuseadas com cuidado -
“as migalhas da refeição de um leão,
um par de canelas e um pedaço de orelha”;
recorre à letra M
e vais descobrir
que “uma esposa é um caixão”,
esse objeto severo
com geometria agradável
estipulando espaço e não pessoas,
recusando-se a ser enterrado
e unicamente decepcionante,
vingativamente forjado na atitude
de uma criança adorada
por um pai distinto.”
Diz ela: "Esta borboleta,
esta mosca d'água, este nómada
que “ se propôs
ficar comigo para toda a vida”-
O que há a fazer com isto?
Deve ter havido mais tempo
na época de Shakespeare
para se sentar a assistir a uma peça.
Conheces tantos artistas que são loucos”.
Diz ele: "Conheces tantos loucos
que não são artistas."
O facto esqueceu
que “alguns têm apenas direitos
enquanto outros têm obrigações",
ele ama-se a si mesmo tanto,
que não pode permitir
nenhum rival nesse amor.
Ela ama-se tanto a si mesma,
que não consegue ver-se o suficiente -
uma estatueta de marfim sobre marfim,
O último toque lógico
para um expansivo esplendor
ganho como salário pelo trabalho realizado:
não se é rico, mas pobre
quando se pode parecer ter sempre razão.
O que se pode fazer por eles -
esses selvagens
condenados a descontentar
todos os que não são visionários
atentos a realizar a tarefa idiota
de tornar as pessoas nobres?
Este modelo de fidelidade petrina
que “deixa o seu marido tranquilo
só porque já viu o suficiente dele”-
esse orador a lembrar-te,
“Estou às tuas ordens.”
“Tudo o que tem a ver com amor é mistério;
é mais do que um dia de trabalho
para investigar esta ciência.”
Vê-se que é raro
essa impressionante compreensão dos opostos
contrários um ao outro, não à unidade,
que na abragência cicloide
tornou insignificante a demonstração
de Colombo com o ovo -
um triunfo da simplicidade -
esse Euroclydon de caridade,
de desinteresse assustador
que o mundo, admitindo,
odeia.
“Sou de tal modo vaca,
se tivesse uma tristeza
Senti-la-ia durante assaz tempo;
Não sou daqueles,
que sentem uma imensa tristeza
de manhã
e uma imensa alegria ao meio-dia”;
o que diz: “Isso enfrentei
entre aqueles despretensiosos
protégés da sensatez,
onde ao parecer desfilar
como o orador e o Romano,
a habilidade de estadista
de um arcaico Daniel Webster
perdura em sua simplicidade de temperamento
como a essência da questão:
“Liberdade e união
agora e sempre";
o Livro em cima da secretária;
a mão no bolso do peito."
Marianne Moore in Complete Poems, Penguin
Classics, 1994.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.