Marianne Moore


O QUE SÃO OS ANOS?


Que inocência é a nossa,
que culpa é a nossa? Todos estão
          nus, ninguém está a salvo. E de onde

vem a coragem: a questão sem resposta,
a dúvida resoluta -
chamando silenciosamente, ouvindo

surdamente - isso
é infortúnio, até a morte,
         encoraja os outros
         e em sua derrota, agita

      a alma para ser forte? Vê
fundo e alegra-se quem
      aceita a mortalidade
e ergue-se em sua prisão
sobre si mesmo como
o mar num abismo, lutando por ser
livre e incapaz de ser,
         e em sua rendição
         encontra a persistência.

      Assim, aquele que sente fortemente,
se comporta. O próprio pássaro,
      ao crescer mais alto enquanto canta,

alonga forte a sua forma. Embora cativo,
o seu poderoso canto
afirma, a satisfação é uma humilde
coisa, como uma pura coisa é alegria.
         Isso é mortalidade,
         isso é eternidade.


POESIA


A mim também não me agrada.
       Mas lendo-a com perfeito desprezo
des-
           cobre-se nela,
      afinal, lugar para o genuíno


SILÊNCIO


O meu pai tinha o hábito de dizer:
"Gente importante não faz longas visitas,
tendo visitado o túmulo de Longfellow
ou as flores de vidro em Harvard.
Autoconfiantes como um gato -
que em privado transporta a presa,
o rabo flácido do rato pendendo da boca 
como um cordel de atar os sapatos -
gostam às vezes da solidão,
e podem mesmo ficar sem fala 
com um discurso que encantou.
O sentimento mais fundo exprime silêncio;

não em silêncio, mas contenção."

E foi sincero quando me disse: "Faz de minha casa a tua pousada".
Pousadas não são moradas.


POR DISPOSIÇÃO DOS ANJOS


Mensageiros muito parecidos conosco?  Explique.
A firmeza que a escuridão torna explícita?
Alguma coisa ouvida com clareza quando não está próxima?
           Acima das particularidades,
essas outras particularidades rezam para não ser violadas.
       Alguém viu, com firmeza nunca contestada,
       como pela escuridão se aperfeiçoa uma estrela.

Estrela que não me interroga se a vejo?
Abeto que não gostaria que o arrancasse?
Discurso que não me pergunta se o escuto?
           Mistérios expõem mistérios.
Mais firme do que estável, a estrela que me deslumbra, exultante e viva,
       não é necessário afirmar, como alguém que conhecemos; 

       parecida com ela, parecida com ele, e um - tremor para sempre.


AMOR NA AMÉRICA?


Seja o que for, é uma paixão -
uma demência benigna que deveria ter
engolindo a América, alimentada de modo
       oposto ao caminho
em que o Minotauro foi alimentado.
É um Midas de ternura;
       vinda coração;
nada mais. De alguém com habilidade
para suportar ser mal interpretado -
       assumir a culpa, com "nobreza
       assim se age", identificado com
       uma profundidade pioneira

       sem atrevimento ou
       grandeza nutrida de
       frivolidade subterrânea.

Seja o que for, que seja sem
      afectação.

Sim, sim, sim, sim.


JARDINAGEM IMPRUDENTE


Se o amarelo indica infidelidade,
     Sou uma infiel.
          Não poderia aceitar a hostilidade de uma rosa amarela
          por livros dizerem que o amarelo era um mau presságio
    e o branco o bem augurava.

Mas, a tua fruição particular,
     o sentido de privacidade,
          pode deveras provocar 
          ouvidos que se ofendem, e é inútil
     a insolência tolerar.


O PASSADO É O PRESENTE


Se a acção externa for efectuada
       e a rima estiver fora de moda,
          a ti regresserei
      Habakkuk, como quando numa aula bíblica
         o professor falava de versos sem rima.
Ele disse - e penso que repito as exactas
palavras -
      "A poesia Hebraica é prosa
         com uma consciência elevada." O êxtase promove
      a ocasião e a oportunidade aponta a forma.


POSSO, PODERIA, DEVO


Se me disseres porque o pântano
parece intransitável, então irei
dizer-te porque penso que posso
caminhar através dele se tentar.


SER UM DRAGÃO


Se eu, como Salomão,...
                pudesse ter o meu desejo -

o meu desejo... Ó, ser um dragão,
um símbolo do poder do Céu - do bicho-da-seda
pequeno ou imenso; invisível, às vezes.
                 Fenómeno aprazível!


UM ROSTO


"Não sou traiçoeiro, insensível, ciumento, supersticioso,
arrogante, venenoso ou absolutamente odioso":
       estudando e estudando a sua expressão,
       desespero exasperado
           embora sem nenhum impasse real,
           ficaria feliz em quebrar o gelo;

quando o amor à ordem, o ardor, a simplicidade ininterrupta
com uma expressão inquiridora, é tudo o que alguém precisa de ser!
      Certos rostos, alguns, um ou dois - ou um
      rostos fotografados por memória -
          à minha mente, à minha vista,
          devem permanecer uma alegria.


 CASAMENTO


Esta instituição,

talvez lhe devêssemos chamar empresa

por respeito ao que alguém

disse ser desnecessário mudar de ideias

sobre algo em que se acreditou,

exigindo promessas públicas

da intenção de alguém

para cumprir uma obrigação privada:

Pergunto-me o que Adão e Eva

pensam acerca disto nesta altura,

este aço dourado

como fogo vivo;

quão brilhante se mostra -

"de tradições circulares e imposturas,

cometendo muitos danos",

exigindo todo o talento criminoso

a evitar!

Psicologia que tudo explica

e que nada explica,

e ainda estamos em dúvida.

Eva: mulher bonita -

vi-a

quando era tão bonita

que me deu um sobressalto,

capaz de escrever simultaneamente

em três línguas -

Inglês, Alemão e Francês -

e entretanto falar;

tão positiva em exigir uma comoção

quanto a estipular silêncio:

Eu gostaria de estar sozinha”;

ao que o visitante responde,

“Eu gostaria de estar sozinho;

porque não estarmos juntos sozinhos?”

Abaixo das estrelas incandescentes

abaixo da fruta incandescente,

a estranha experiência da beleza;

a sua existência é excessiva;

despedaça a pessoa

e cada nova onda de consciência

é veneno.

"Vejam-na, vejam-na neste mundo comum,"

a falha central

nessa primeira experiência cristalina,

esta amálgama que nunca poderá ser mais

do que uma impossibilidade interessante,

descrevendo-a

como "esse estranho paraíso

diferente da carne, pedras,

magníficos ou dourados edifícios,

a melhor peça escolhida da minha vida:

O coração subindo

no seu estado de paz

como um barco sobe

com a subida das águas”;

constrangido a falar da serpente -

descartou a pele de cobra na história da polidez

para não ser de novo utilizada -

esse inestimável acidente

ilibou de culpa Adão.

E ele é também belo;

é angustiante - o Ó tu

de quem para quem,

sem o qual nada existe - Adão;

"algo felino,

algo semelhante à cobra"- que verdade!

um monstro mitológico agachado

nessa miniatura Persa de minas de esmeralda,

branco marfim de crua seda, branco de neve,

branca ostra e seis outras -

esse cercado cheio de leopardos e girafas -

longos corpos de amarelo-limão

semeados com trapézios de azul.

Vívido com palavras,

vibrante como um címbalo

tocado antes de ser golpeado,

ele profetizou corretamente -

a cascata industriosa,

"o fluxo rápido

que violento leva tudo à frente de si,

outrora silencioso como o ar

e agora tão poderosa quanto o vento."

"Pisando abismos

no pé incerto de uma lança",

esquecendo que há na mulher

uma qualidade de mente

que, como uma manifestação instintiva,

é insegura,

continua a falar

num tom formal e costumeiro,

de "estados passados, o estado presente,

selos, promessas,

o mau sofreu,

o bem regozija,

inferno, céu,

tudo o que é conveniente

para promover a alegria de alguém."

Nele um estado de espírito

entende o que não era

suposto que entendesse;

"experimenta uma alegria solene

ao ver que se tornou um ídolo."

Atormentado pelo rouxinol

nas folhas novas,

com o seu silêncio -

não o seu silêncio, mas os seus silêncios,

diz:

"Veste-me com uma camisa de fogo."

"Não se atreve a bater palmas

para que continue,

para que não levante voo;

se nada fizer, ele dormirá;

se ele gritar, não irá perceber."

Enervado pelo rouxinol

e deslumbrado pela maçã,

impelido pela "ilusão de um fogo

eficaz para extinguir o fogo",

comparado com o qual

o brilho da terra

é uma mera deformidade - um fogo

"tão alto quanto profundo

tão brilhante quanto amplo

como a própria vida",

tropeça no casamento,

" um objeto deveras muito trivial

para ter destruído a atitude

em que se manteve -

o conforto do filósofo,

filho de pai incógnito.

Hímen inútil!

uma espécie de cupido acrescido

reduzido à insignificância

pela publicidade mecânica

desfilando como comentário involuntário,

por essa experiência de Adão

com saídas, mas nenhuma entrada -

o ritual do casamento,

aumentando toda a sua prodigalidade;

Os seus fetos,

flores de lótus, opúncias, brancos dromedários,

O seu hipopótamo-

nariz e boca reunidos

num magnífico funil -

a sua cobra e potente maçã.

Diz-nos

que "por amor olhará

cegamente uma águia,

ou seja estará com Hércules

a trepar às árvores

no jardim das Hespérides,

dos quarenta e cinco aos setenta

é a melhor idade".

elogiando o facto

como uma bela arte, uma experiência,

um dever ou simples divertimento.

Ninguém deve chamar-lhe rufião,

nem ao conflito uma calamidade -

a luta para ser carinhoso:

não há verdade que possa ser inteiramente apercebida

até que tenha sido testada

pelo dente da disputa.”

A pantera azul de olhos negros,

a pantera de basalto de olhos azuis,

totalmente graciosas -

é preciso mostrar-lhes o caminho

a obsidiana negra Diana

que “escurece a sua expressão

como um urso faz”,

a mão espinhosa

que sente afeição por alguém

e prova-o até aos ossos,

impaciente para lhe garantir

que a impaciência é a marca da independência,

não de escravatura.

As pessoas casadas costumam ter este olhar” -

raramente e frio, para cima e para baixo,

misturado e malárico

com um dia bom e um mau dia.”

Nós, Ocidentais, somos tão pouco emotivos,

perdidos, a ironia preservada

no “banquete tête-à-tête de Ahasuerus

com as suas pequenas orquídeas como línguas de cobra,

com o seu “bom monstro, indica o caminho”,

com pequenas risadas

e generosidade de humor

nessa atmosfera quixotesca de franqueza

em que “quatro horas não existe,

mas às cinco horas

as senhoras na sua humildade imperiosa

estamos prontas para o receber”;

em que a experiência atesta

que os homens têm poder

e, por vezes, alguém é levado a senti-lo.

Diz ele: “Que monarca não coraria

por ter uma esposa

com cabelo como um pincel de barba?”

O sucesso de uma mulher

"não é o som da flauta

mas ser muito venenosa.”

Diz ela: Os homens são monopolizadores

de estrelas, ligas, botões

e outras bugigangas brilhantes -

impróprios para serem os guardiões

da felicidade de outra pessoa.”

Diz ele: “Estas múmias

devem ser manuseadas com cuidado -

as migalhas da refeição de um leão,

um par de canelas e um pedaço de orelha”;

recorre à letra M

e vais descobrir

que “uma esposa é um caixão”,

esse objeto severo

com geometria agradável

estipulando espaço e não pessoas,

recusando-se a ser enterrado

e unicamente decepcionante,

vingativamente forjado na atitude

de uma criança adorada

por um pai distinto.”

Diz ela: "Esta borboleta,

esta mosca d'água, este nómada

que “ se propôs

ficar comigo para toda a vida”-

O que há a fazer com isto?

Deve ter havido mais tempo

na época de Shakespeare

para se sentar a assistir a uma peça.

Conheces tantos artistas que são loucos”.

Diz ele: "Conheces tantos loucos

que não são artistas."

O facto esqueceu

que “alguns têm apenas direitos

enquanto outros têm obrigações",

ele ama-se a si mesmo tanto,

que não pode permitir

nenhum rival nesse amor.

Ela ama-se tanto a si mesma,

que não consegue ver-se o suficiente -

uma estatueta de marfim sobre marfim,

O último toque lógico

para um expansivo esplendor

ganho como salário pelo trabalho realizado:

não se é rico, mas pobre

quando se pode parecer ter sempre razão.

O que se pode fazer por eles -

esses selvagens

condenados a descontentar

todos os que não são visionários

atentos a realizar a tarefa idiota

de tornar as pessoas nobres?

Este modelo de fidelidade petrina

que “deixa o seu marido tranquilo

só porque já viu o suficiente dele”-

esse orador a lembrar-te,

Estou às tuas ordens.”

Tudo o que tem a ver com amor é mistério;

é mais do que um dia de trabalho

para investigar esta ciência.”

Vê-se que é raro

essa impressionante compreensão dos opostos

contrários um ao outro, não à unidade,

que na abragência cicloide

tornou insignificante a demonstração

de Colombo com o ovo -

um triunfo da simplicidade -

esse Euroclydon de caridade,

de desinteresse assustador

que o mundo, admitindo,

odeia.


   “Sou de tal modo vaca,

   se tivesse uma tristeza

   Senti-la-ia durante assaz tempo;

   Não sou daqueles,

   que sentem uma imensa tristeza

   de manhã

   e uma imensa alegria ao meio-dia”;


o que diz: “Isso enfrentei

entre aqueles despretensiosos

protégés da sensatez,

onde ao parecer desfilar

como o orador e o Romano,

a habilidade de estadista

de um arcaico Daniel Webster

perdura em sua simplicidade de temperamento

como a essência da questão:


   “Liberdade e união

   agora e sempre";


o Livro em cima da secretária;

a mão no bolso do peito."




Marianne Moore in Complete Poems, Penguin Classics, 1994.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.

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