Lola Ridge

 

PALESTINA


Velha planta da Ásia -
Vinha mutilada
Segurando a seiva salpicando da terra
Em cada caule e broto
Que sendo cortado, novamente brota -
Porque buscas o planalto cercado por muros,
Cujo jardim é o mundo?



AO POVO AMERICANO


Vais festejar comigo, Povo Americano?
Mas que tenho eu que pareça bom para ti!

     No meu tabuleiro estão maçãs amargas
E mel servido em espinhos,
E em meus jarros ferro fluído,
Quente dos cadinhos.

     Como podia tal comida seduzir-te!



O GUETO


I

     Ar fresco e inacessível
A flutuar na aveludada escuridão iluminada com luzes de aço azul,
Mas não há respiração que agita o calor
Inclinando o seu imenso peso sobre o gueto
E ainda mais na rua Hester…

     O calor…
Farejando o líquido que sai do corpo,
Como uma besta que aperta a enorme barriga fumegante,
Cobrindo todas as vias aéreas…

     O calor na rua Hester,
Amontoado como uma carroça
Com o todo o lixo do mundo.
Corpos pendurados nas escadas de incêndio
Ou a espalharem-se pelas varandas…
Rostos virados para cima brilham pálidos -
Rostos amarelo-arenque, manchados de bolor,
E rostos húmidos de raparigas
Como lírios brancos e húmidos,
E rostos de crianças com bocas secas que sugam o ar
    como que em tectas vazias.

     Mulheres jovens passam em grupos,
Convergindo para os fóruns e salas de reunião,
Surgindo indomáveis, lentas
Através da  rasteira vegetação grosseira do calor.
As cabeças estão descobertas para as estrelas,
E chamam os jovens e uns chamam outros
Com uma camaradagem gratuita.
Apenas os olhos são solitários e antigos...

     A rua rasteja ondulante,
Como um rio confuso
Com a sua maré quente de carne
Que está sempre a engrossar.
Pesadas ondas de carne
Quebram as calçadas,
Enrolando como uma rebentação -
A carne dessa persistência
A prole de antigas mães que viram o amanhecer no Egipto...
E amassaram o pão sobre as pedras secas e quentes
E assim continuaram
Até que o ouro dos egípcios caiu dos seus braços...
Jejum e sede…
E ainda mais...

     Previram - com esses olhos escuros e claros,
Que olharam o sol de frente e não ficaram cegos
Através dos séculos
A marcha da sua carne duradoura?
E ouviram -
Sob o silêncio a derreter
No deserto como uma roda parada -
(E os escorpiões tiquetaqueando na areia…)
A procissão infinita desses pés?


II

     Habito na casa de Sodos - no quartinho verde que era de Bennie -
Com Sadie
E o seu velho pai e mãe,
Que não é tão velha e exibe o próprio cabelo.

     O velho Sodos já não fabrica selas.
Esqueceu-se de como o fazer.
Esqueceu a maioria das coisas - até Bennie, que mora longe
e  nos feriados envia vinho -
E não gosta da mãe de Sadie
Que esconde as velas de Deus,
Nem de Sadie
Cujo jovem hálito pagão apaga a luz -
Que deve estar sempre acesa,
Como a de Aarão diante do Senhor.

     O tempo roda como um relógio louco em seu cérebro,
E noite após noite
Vejo o gesto de amor do seu braço
Na manga do gorduroso casaco verde
Acariciando o Livro,
E as velas fortemente brilhando
Na brancura de papel manchado do seu rosto,
Como um salmo mal escrito...
Noite após noite
Ouço o seu louvor exaltado,
Como um relincho quebrado
Diante do portal fechado do Senhor.

     Sadie veste-se de negro.
Tem cabelos pretos molhados cheios de frias luzes
E um rosto bem desenhado, muito branco.
Durante todo o dia as máquinas de energia
Zumbem em seus ouvidos…
Todo o dia a fina poeira voa
Até as gargantas ficarem irritadas e secas
E o calor - como um cadáver guardado -
Imundo até à última esquina.

     Então - quando as agulhas se movem devagar no pano
E os dedos suados afrouxam
E o cabelo cai em húmidas mechas sobre os olhos -
Possuída por algum poder interior,
Sadie estremece como uma vara...
Um fino pistão preto voando,
Uno com a sua máquina.

     Ela - que esfaqueia a peça com o seu olho amargo
E pede às meninas: "Devagar -
Vão fazer com que isso nos corte de novo!"
Ela - o átomo estático de fogo,
Mantido no lugar pela feroz pressão em volta -
Acelera as rodas motrizes
E o mordente aço - que por duas vezes
A cortou até ao osso.

     À noite, lê
Esses livros com pensamentos mais incertos,
Novos e maleáveis,
Em que o seu pensamento
Mergulha fundindo-se num branco calor,
Ou cospe fogo em qualquer manjedoura escura de um sala,
Ou numa reunião de protesto na Praça,
Os seus olhos de fogo queimando a multidão...
Ou dança loucamente num festival.
Em cada amanhecer está levemente mais branca,
Embora desperta e pronta para o longo dia,
Alerta, mas cansada... como um pássaro que
Esvoaça toda a noite à volta de uma luz.

     O amante Gentio, que ela seduz e maltrata,
É mais uma pedrinha no sapato
Para a mãe de Sadie,
Que o cumprimenta com os olhos semicerrados
E silencia algumas das boas-vindas.
"Que posso fazer?" diz ela,
"Quando Sadie quer, possui...
Melhor que Bennie com a sua mulher Cristã...
Um homem não é assim,
Se discutirem,
Por lhe chamarem Judia..."

     Mas, quando ela se deita na cama
E o suave murmúrio da conversa chega até si
E os silêncios...
Sei que nunca dorme
Até que uma fria corrente de ar sopre na sala vazia
Sobre as tábuas que protegem as janelas
E possa ouvir o pé dele no primeiro lance de escada.  

     Sarah e Anna moram no andar de cima.
Sarah é morena e mal vestida.
A vida para ela não tem rituais.
Quebraria um ideal como um ovo pela coisa alada no centro.
A sua mente é dura, brilha e corta como um maçarico de acetileno.
Se quaisquer impurezas para aí flutuarem, devem ser queimadas como uma chama clara.
É curioso que trabalhe numa fábrica de calças.
Mas, onde poderia mais... despenteada e com o colarinho torto na garganta verde oliva.
Além disso, as suas mãos são desleixadas.
Com o Inglês… e tudo… sobra tão pouco tempo.
Ela lê sem preconceitos -
Duvidando clamorosamente de -
Psicologia, teatro, ciência, filosofias—
    Essas flores gigantes que floresceram e murcharam, espalhando as suas
sementes…
- E desse jovem solo e esforçado que crescimento pode advir -
que incríveis florações.

     Anna é diferente.
Sabe-se sempre acerca de Anna, e os rapazes viram a cabeça
para olhar para ela.
Tem o apelo de uma canção folclórica
E suas roupas baratas estão sempre na moda.
Quando a greve começou, deu metade do salário.
Daria qualquer coisa - excepto o elogio que é dela
E o amor de seu corpo lírico.

     Mas o desejo de Sarah nada mais cobiça.
E partilharia qualquer a coisa...
Até mesmo o seu amante.


III

     As robustas crianças do Gueto
Marcham em parada,
Agitando as bandeiras de brincar,
Empinando ao som das cornetas -
Alegres, sem medo…
Agitando pequenos bastões de fogo
À noite -
A velha noite cintilante -
Desviando do caminho,
Envolta como um xaile em sua escuridão.

     Mas uma pequena menina
Encolhe-se à parte.
A sua cabeça trançada,
Brilha como um pássaro preto
Ao brilho da luz da tocha,
Está pronta para voar.
Os seus olhos têm o brilho
De luzes escurecidas.

     Ela gagueja em Ídiche,
E não entendo,
     E pelo seu rosto voa
Uma sombra
Como uma cortina fechada.
Dou-lhe uma laranja,
Grande e dourada,
E olha para ela inexpressivamente.
Pego na mão fria e tento abraçá-la,
Mas ela é rígida...
Como uma boneca…

     De repente, corre no meio da multidão
Como um pequeno pânico branco
Soprado ao longo da noite -
Longe do terror dos pés que se aproximam…
Tambores soando como maldições em rubras bocas rugindo...
E tochas cuspindo fogo prateado
E luzes que farejam fora de esconderijos...
Para a noite -
Agachada como um corcunda
Sob o curvo alpendre -
A velha mãe noite
Que sobreviveu à beleza e conhece os caminhos do medo -
A noite - braços reconfortantes e abertos,
Escondendo-a como numa imensa saia.

     As robustas crianças do Gueto
Marcham em parada,
Agitando as bandeiras de brincar,
Empinando ao som das cornetas,
Alegres, destemidas.
Mas eu vejo um branco vestido
E olhos como luzes encapuzadas
Além da sombra dos pogroms
Observando… observando…


IV

     Calicós e peles,
Cadernos de bolso e lenços,
Lâminas de barbear e facas
(Padrões em cheque…)

     Mãos cor de azeitona e cabeça ruiva,
Picles vermelhos e acobreados,
Picles verdes, picles castanhos,
(Padrões em tapeçaria…)

     Contas de coral, contas azuis,
Contas de pérola e âmbar,
Futilidades, alfinetes de beleza -
Bijuterias para raparigas -
Lançando raios de cor violeta,
Ametista e jade…

Todas as cores para jogar,
Baralhadas como arco-íris...
(Padrões em vitrais
Quebrados em pedaços!)

     Laços de alegres fitas
Enfeitando a manga,
Ligas delicadas
Exibindo a sua marca…
Aqui uma ponta de coisas pragueadas -
Há uma pequena penugem…
(Barbas brancas, barbas negras
Como fios no tecido entrelaçados...)

     E ah, os bebezinhos -
Bébés de negros olhos brlhantes -
(Meio milhão de dedos rosados
A mover-se em conjunto.)
Cestas cheias de bébés
Como uvas numa videira.

     Mães entrando e saindo,
Fazendo tudo certo -
Pegando os fios escorregados

 Na rua Grand à noite -
Grande rua como um grande bazar,
Apinhada como um carro alegórico,
Nodosa como uma colcha louca
Esticada numa imensa linha.

     Mas vista mais de perto
Esta ninhada do Leste
Assume uma majestade truncada.

     As barracas reunidas
Em disposição dissoluta…
O brilho e a elegância confusa
Estranhamente justapostos
Latas, papel, trapos
E as cores desmaiando,
Desbotadas como cabelo velho,
Com clarões de tons bárbaros
E olhos de mistério...
arremessado
Como uma tapeçaria antiga de tecido heterogêneo
Sobre a parede aberta desta nova terra.

    Aqui, uma garota de cabelos castanhos...
Limões em caldo esverdeado
E uma enorme tigela de barro
Perto de um comerciante bronzeado
Com um gorro de lã de cordeiro na cabeça...
Ele não repara nela.
Os seus olhos económicos
Curvam-se - brilhantes, intensos
Os seus olhares acumulados
Sobre a sua mercadoria,
Como se fosse um tecido esplêndido
Ou roupas sumptuosas
Costuradas em vermelho e dourado…

     Ele raramente fala
Excepto acerca das coisas que vende -
O magro algodão com a sua flor sombria -
E com as suas mãos magras
Que pairam como dois falcões
Acima de uma carne suculenta,
Toca amorosamente em cada chita,
Como se fosse um lindo xaile,
Ou um vestuário caro
Tecido em fio de seda,
Ou um estranho tapete brilhante
Feito para pés com sandálias…

     Aqui, um grisalho velho erudito.
Os seus olhos pensativos -
Que contêm longas paisagens sem fim
De caravanas e árvores e estradas,
E cidades diminuindo em memória -
Dobra-se agora sobre as suas fitas e fios.

     E se eles puxarem a sua barba -
Estas sementes jovens e cruas de Israel
Que não têm visão retrógrada em seus olhos -
E zombarem dele enquanto se  balança
Acima dos arcos afundados de seus pés -
Não encontram nenhum gancho para pendurar as suas provocações.
A sua alma é como uma rocha
Que tem uma frente desgastada e lisa
Pela fricção áspera do mar,
E, imperturbável, mantém a sua amarga paz.

     E se um braço rígido e uma forma azul opulenta,
Apoiado por uma estrela de níquel
O empurrar,
Tomando a sua orgulhosa paciência por humildade…
Todas as goteiras são como uma
Para essa velha raça que foi lançada
No pavimento de pedra do mundo…
E sorri com a pálida ironia
De quem tem conservado
A sabedoria do Talmude
Na lavanda da sua mente.

     Aqui, esse jovem comerciante,
Nascido para negociar como uma coifa,
Vende as noções da hora.
Os gestos do ofício pertencem-lhe
E toda a tradição
Como quando segurar, retirar, persuadir, avançar...
E vender chiclete ou bandeiras,
Ou limpar tudo ou etiquetar a mais nova coisa,
A demanda vai até ele como a abelha para a flor.
E ele - avaliando
Todos os que vão e vêm
Com a sua incrível
Leveza de espírito e o olhar
E o pensamento ágil
E a natureza equilibrada como a balança em zéro -
Olha para o oeste onde as luzes do comércio brilham,
E vê até onde a sua vista alcança -
Uma visão pautada pela medida,
Circunscrita em pedra -
Uns cinquenta andares até o céu.


V

    Quando me sento no meu pequeno quarto do quinto andar...
Vazio,
Exceptuando a cama e uma cadeira,
E manchas acobreadas
Deixadas por chuvas torrenciais
No tecto baixo
E paredes de gesso verde,
Onde quando a noite cai
As joaninhas douradas
Saem dos seus buracos,
E as baratas, castanho sépia, as seguem…
Oiço os sinos repicando
Na cinzenta igreja da Rutgers Street,
Erguendo a alta cruz acima do Gueto,
E, um andar abaixo do outro lado do pátio,
O papagaio gritando:
Vorwärts… Vorwärts…

     O papagaio branco amarelado,
eternamente balançando
Em sua barra de ferro.

     Uma pequena velhinha,
Com uma peruca de cabelo liso preto
Colada sobre a suas sobrancelhas encolhidas,
Vem às vezes até à escada de incêndio.
Uma velha mãe curvada,
O ombro esquerdo abaixo
Com a inclinação desigual que as mulheres conhecem
Quando amamentaram muitas crias...
Mas, hoje, nada vi senão o papagaio.

    Observo as suas manhãs enquanto sacode os tapetes
Debilmente, com movimentos frágeis
E sem força nos dedos.
Os seus músculos são frouxos
E curvos os ossos arruinados,
A carne arroxeada como carne velha,
Ainda que, cada um deles conspire
Para alimentar esses fogos de sarjeta
Com os quais seus olhos são rápidos.

     Nas noites de sexta-feira
As suas velas sinalizam
Raios finos infinitos
Para outras janelas
Juntarem outras luzes,
Ligando os cortiços
Como uma oração sem fim.

     Parece menos solitária que o pássaro
Nesse dia a dia sobre a casa sombria
Grita a sua palavra frenética...
Nessa noite após noite -
Se um cachorro ganir
Ou um gato rosnar
Ou uma criança doente choramingar,
Ou uma porta ranger nas dobradiças,
Ou um homem e uma mulher discutirem -
Envia o seu grito acima dos telhados:
Vorwärts… Vorwärts…


VI    

     Nesse café sombrio 
Os velhos sentam-se agasalhados em lã.
Tudo está desbotado, gasto, incolor, velho…
As cadeiras, de juntas soltas,
Rangendo como ossos velhos -
As mesas, os empregados, as paredes,
Cujo gesso manchado
Combina em tom com a carne velha.

    Vida e pensamento jovens são igualmente vetados,
E nenhum ruído inesperado abala os velhos nervos,
E as velhas respirações ofegantes,
Passam por aí velhos pensamentos, secos como rapé,
E não há divergência e nem atrito,
A vida é aplanada e moída como que por muitos moinhos.

     E é aqui que o Comité -
De hálito doce e pele suave
E flexível de coluna e joelho,
Com olhos brilhantes sem bolsas
E o sangue, poderoso,
Saltando em artérias flexíveis—
O insolente, jovem, entusiasta e indiscriminado Comité,
Que colocaria lápides
E espalharia folhetos até em túmulos,
Chega pisando com os pés sacrílegos!

     Os velhos voltam-se rigidamente,
Resmungando uns com os outros.
São gentis e entorpecidos e ocupados enquanto comem.
Mas um levanta um rosto de palidez argilosa,
Há uma fúria surda em seus olhos, como pequenas grades enferrujadas.
Ergue-se lentamente,
Tremendo em suas muitas faixas como uma múmia desperta,
Ridículo, mas terrível.
- E o Comité lança-lhe um olhar perdido,
Deixa cair um folheto ao lado do prato.

     Um fogo solitário cintila nos olhos empoeirados.
Os lábios cantam inaudivelmente.
O torto corpo encolhido endireita-se como uma árvore.
E então amaldiçoa...
Com os braços erguidos e os dedos dobrados,
Em forma de garra, agarrando…
Então, séculos atrás
Os velhos amaldiçoaram Acosta,
Quando os proféticos ouviram sobre os seus sepulcros
Passos que não podem parar nem desviar de coisas antigas.


VII

    Aqui nesta sala, nua como um celeiro,
Egos gesticulam uns para os outros -
Nus, sem forma, sem asas
Egos fora da casca,
Examinando, procurando, devorando -
Ávidos tanto pela flor quanto pelo esterco...
(Não tendo antenas delicadas para o toque e a retirada-
Apenas a boca aberta…)

     Egos grasnando,
Expandindo no mesquinho ovo…
Pequenos alfaiates atarracados com rostos desgrenhados,
Pálidos como banha,
Fabricantes de peles, operários de fábricas, lojistas,
Jornalistas com olhos em luta
E corpos ainda vibrantes com o ímpeto de longas corridas,
Aqui e ali uma mulher...

     Palavras, palavras, palavras,
Batendo como granizo,
Como granizo caindo sem objetivo...
Egos desenfreados,
Gritando uns para os outros.
Um movimento perpétuo,
Agitando os braços como arbustos.
Ele tem olhos ardentes e tossem
E uma voz fina estridente
Como uma flauta entre trombones.

     Um, de barba ruiva, empinado
Uma espécie de rosto mutilado esmagado por alguma ferida antiga,
Garbles Max Stirner.
As suas palavras chocam entre si como pequenos blocos de madeira.
Ninguém lhe dá ouvidos,
E um menino esguio com o cabelo sobre os olhos
Dá um soco na mesa.
- Ele é presidente.

     Egos lendo ainda a cartilha,
Ouvindo as vozes do mundo
Cantando grandes árias…
Maiores, ressonantes,
Impressionantes de som…
Menores, desconcertantes
Meio-ouvidas como chuva em lagoas …
Discordâncias majestosas
Maiores do que harmonias...
— Recolhendo de tudo
Paixão, perplexidade, dor…

     Egos ansiando com o desejo do mundo em seus olhos -
Doem os olhos quentes que não dormem o suficiente…
Esforçando-se com um esforço infinito,
Frustrados, mas sempre perseguindo
A grande Liberdade branca,
Arrastando a glória a extinguir-se em cada barricada duramente conquistada -
Apenas para desaparecer de novo…

     Egos chorando em profundezas sem ordem
E agitando os seus sonhos como bandeiras -
Sonhos multicoloridos,
Alados e gloriosos…

     Um jacto de gás lança uma chama atrofiada,
Iluminando vagamente os rostos tacteantes.
E pela janela sem cortinas
Cai a luz desperdiçada das estrelas,
Tão frias quanto os olhos dos sábios...
Grandes estrelas indiferentes,
Olhando fortuitamente
A reunião secreta nessa sala fechada,
Despida como uma manjedoura.


VIII

    As luzes saem para fora
E os baús rígidos das fábricas
Derretem-se na escuridão desenhada,
Revestida como uma roupa sem costura.

     E as mães levam para casa os seus bébés,
De cera e delicadamente enrolados,
Como pequenos vasos de flores fechados sob as estrelas.

     Luzes saem para fora
E os jovens fecham os seus olhos,
Mas a vida corre dentro deles...

     A vida nos óvulos apertados
Rasgando e dilacerando as suas células vivas…
Guerras, artes, descobertas, rebeliões, trabalhos, imolações,
    cataclismos, ódios…
Presos na carne selada.
E os jovens contorcem-se nas camas em langor e vertigem
     insuportáveis…
     Os seus olhos - pesados ​​e esmaecidos
Com poeira de longos esquecimentos na polpa cinzenta por trás -
Olhando como através de um vidro embaciado.
E olham para a lua - lançando um leve calor -
A lua, loira e ardente, rastejando para as suas camas
Suavemente, como com pés descalços...
Deitada na colcha... como uma mulher oferecendo o seu pálido corpo.

     Glória desnuda da lua!
Que salta de seus lençóis como um atleta para seios de raparigas nuas;
Acariciando os seios macios e frescos como madrepérola
Até os mamilos enrijarem e queimarem como se pequenos lábios os tocassem.
Estremecem e perdem o vigor.
E os ouvidos enchem-se de uma rapsódia delirante,
Essa Vida, como um jogador bêbado,
Fere os seus claros corpos brancos
Como chaves de marfim.

     Luzes saem para fora…
E os grandes amantes permanecem em pequenos grupos, ainda debatendo apaixonadamente,
Ou caminham em silêncio, ouvindo apenas a convocação silenciosa da Vida -
A vida fazendo a grande Exigência…
Chamando os seus novos Cristos...
Até as lágrimas virem, manchando as estrelas
Que se tornam ternas e reconfortantes como os olhos dos camaradas;
E a lua rola atrás do Battery 
Como uma palavra derretida na boca de Deus.

     Luzes saem para fora…
E as cores correm juntas,
Fundindo-se e flutuando…
Ouro pálido e desgastado como com engastes de joias antigas…
Malvas, roxos requintados, trémulos e luminosos
E pináculos ardentes em auréolas de luz
Como auras cintilantes.

     Estão agora a cobrir os seus carrinhos...
Agora todos se foram, excepto um velho com espelhos -
Pequenos espelhos ovais como pequenas lagoas.
Ele arrasta-se por uma escura rua
E a lua lustra os seus espelhos até que brilhem como fósforos...
A lua como uma caveira,
Olha pelas órbitas cegas para os velhos que regressam a casa com os carrinhos de mão.


IX

    Um pálido amanhecer paira no céu
Quando entro na minha pequena sala verde.
A luz de Sadie ainda está acesa...
De fora, a lua frágil
Usada para um tecido prateado,
Lança um leve brilho nos telhados,
E abaixo das torres sombrias
Luzes na ponta dos pés…
Suaves como quando os amantes fecham as portas da rua.

     Fora do Battery 
um pouco de vento
Agita-se à toa - como um braço
Vagueia ao lado de um barco em galanteio -
Ondulando a lisa superfície morta do calor,
E a rua Hester,
Como uma mulher perdida e desgastada
Por ter amamentado inúmeros bébés,
Volta-se em sua cama para enfrentar o dia.

     VIDA!
Vida surpreendente e vigorosa,
Que se contorce sob o meu toque,
E me deixa perplexa quando a tento examinar,
Ou me rejeita sem desculpas.
Deixando o meu ego inquieto a reflectir.

     Vida,
Articulada, estridente,
Gritando em provocante afirmação,
Ou das sarjetas negras e entupidas,
Tubulação em prata fina
Doce staccato
Do riso das crianças,

     Ou agarrada aos carrinhos de mão
Como uma ninhada de pequenos sinos
Ou ao tilintar das moedas de prata,
Perpetuamente mudando de mãos,
Ou como o Jordão sombriamente
Vagando no tumulto de marés desconhecidas,
Mas à superfície calmo.

     Correntes eléctricas de vida,
Lançando pensamentos como faíscas,
Brilhando, desaparecendo,
Que fazem desconhecidos circuitos,
Ou fora da agitação de partículas gastas,
Fracas convulsões em velhas fés
Passar do novo adiante.

     Longas noites discutindo
Em salas de reunião
Atrás de intermináveis escadas -
Nas lojas Romenas de vinhos 
E pequenos salões de chá Russos...

     Pés ecoando pelas ruas desertas
Na suave escuridão antes do amanhecer...
Sobrancelhas doendo, latejando, queimando -
A vida saltando na carne abalada
Como chamas numa cortina de amianto.

     Vida -
Encerrada, transbordando
De alpendres e fachadas,
Empurrando, empurrando, inventando,
Fervendo como num grande barril...

     Trocar, trocar, extorquir,
Sonhando, debatendo, aspirando,
Impressionante, indestrutível
A vida do Gueto…

     Um forte fluxo de vida,
Como um vinho amargo
Fora dos alambiques sangrentos do mundo…
Fora da Paixão eterna.




Lola Ridge in The Ghetto and Others Poems, The Project Gutemberg, 2012.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.

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