Lola Ridge
PALESTINA
Velha planta da Ásia
-
Vinha mutilada
Segurando a seiva salpicando da terra
Em
cada caule e broto
Que sendo cortado, novamente brota -
Porque buscas o planalto cercado por muros,
Cujo jardim é o mundo?
AO POVO AMERICANO
Vais festejar
comigo, Povo Americano?
Mas que tenho eu que pareça bom para
ti!
No meu tabuleiro estão maçãs
amargas
E mel servido em espinhos,
E em meus jarros ferro
fluído,
Quente dos cadinhos.
Como podia tal comida seduzir-te!
O GUETO
I
Ar fresco e inacessível
A flutuar na aveludada escuridão
iluminada com luzes de aço azul,
Mas não há respiração que
agita o calor
Inclinando o seu imenso peso sobre o gueto
E
ainda mais na rua Hester…
O
calor…
Farejando o líquido que sai do corpo,
Como uma
besta que aperta a enorme barriga fumegante,
Cobrindo todas as
vias aéreas…
O calor na rua
Hester,
Amontoado como uma carroça
Com o todo o lixo do
mundo.
Corpos pendurados nas escadas de incêndio
Ou a
espalharem-se pelas varandas…
Rostos virados para cima brilham
pálidos -
Rostos amarelo-arenque, manchados de bolor,
E
rostos húmidos de raparigas
Como lírios brancos e húmidos,
E
rostos de crianças com bocas secas que sugam o ar
como que em tectas vazias.
Mulheres
jovens passam em grupos,
Convergindo para os fóruns e salas de
reunião,
Surgindo indomáveis, lentas
Através
da rasteira vegetação grosseira do calor.
As
cabeças estão descobertas para as estrelas,
E chamam os jovens
e uns chamam outros
Com uma camaradagem gratuita.
Apenas os
olhos são solitários e antigos...
A rua rasteja ondulante,
Como um rio confuso
Com a sua maré
quente de carne
Que está sempre a engrossar.
Pesadas ondas
de carne
Quebram as calçadas,
Enrolando como uma
rebentação -
A carne dessa persistência
A prole de
antigas mães que viram o amanhecer no Egipto...
E amassaram o
pão sobre as pedras secas e quentes
E assim continuaram
Até
que o ouro dos egípcios caiu dos seus braços...
Jejum e
sede…
E ainda mais...
Previram - com esses olhos escuros e claros,
Que olharam o sol
de frente e não ficaram cegos
Através dos séculos
A
marcha da sua carne duradoura?
E ouviram -
Sob o silêncio
a derreter
No deserto como uma roda parada -
(E os
escorpiões tiquetaqueando na areia…)
A procissão infinita
desses pés?
II
Habito na casa de Sodos - no quartinho verde que era de Bennie -
Com
Sadie
E o seu velho pai e mãe,
Que não é tão velha e
exibe o próprio cabelo.
O velho
Sodos já não fabrica selas.
Esqueceu-se de como o
fazer.
Esqueceu a maioria das coisas - até Bennie, que mora
longe
e nos feriados envia vinho -
E não gosta da
mãe de Sadie
Que esconde as velas de Deus,
Nem de
Sadie
Cujo jovem hálito pagão apaga a luz -
Que deve
estar sempre acesa,
Como a de Aarão diante do Senhor.
O tempo roda como um relógio louco em seu cérebro,
E noite
após noite
Vejo o gesto de amor do seu braço
Na manga do
gorduroso casaco verde
Acariciando o Livro,
E as velas
fortemente brilhando
Na brancura de papel manchado do seu
rosto,
Como um salmo mal escrito...
Noite após noite
Ouço
o seu louvor exaltado,
Como um relincho quebrado
Diante do
portal fechado do Senhor.
Sadie
veste-se de negro.
Tem cabelos pretos molhados cheios de frias
luzes
E um rosto bem desenhado, muito branco.
Durante todo
o dia as máquinas de energia
Zumbem em seus ouvidos…
Todo
o dia a fina poeira voa
Até as gargantas ficarem irritadas e
secas
E o calor - como um cadáver guardado -
Imundo até à
última esquina.
Então - quando
as agulhas se movem devagar no pano
E os dedos suados afrouxam
E
o cabelo cai em húmidas mechas sobre os olhos -
Possuída por
algum poder interior,
Sadie estremece como uma vara...
Um
fino pistão preto voando,
Uno com a sua máquina.
Ela - que esfaqueia a peça com o seu olho amargo
E pede às
meninas: "Devagar -
Vão fazer com que isso nos corte de
novo!"
Ela - o átomo estático de fogo,
Mantido no
lugar pela feroz pressão em volta -
Acelera as rodas motrizes
E
o mordente aço - que por duas vezes
A cortou até ao
osso.
À noite, lê
Esses
livros com pensamentos mais incertos,
Novos e maleáveis,
Em
que o seu pensamento
Mergulha fundindo-se num branco calor,
Ou
cospe fogo em qualquer manjedoura escura de um sala,
Ou numa
reunião de protesto na Praça,
Os seus olhos de fogo queimando
a multidão...
Ou dança loucamente num festival.
Em cada
amanhecer está levemente mais branca,
Embora desperta e pronta
para o longo dia,
Alerta, mas cansada... como um pássaro
que
Esvoaça toda a noite à volta de uma luz.
O amante Gentio, que ela seduz e maltrata,
É mais uma pedrinha
no sapato
Para a mãe de Sadie,
Que o cumprimenta com os
olhos semicerrados
E silencia algumas das boas-vindas.
"Que
posso fazer?" diz ela,
"Quando Sadie quer,
possui...
Melhor que Bennie com a sua mulher Cristã...
Um
homem não é assim,
Se discutirem,
Por lhe chamarem
Judia..."
Mas, quando ela se
deita na cama
E o suave murmúrio da conversa chega até si
E
os silêncios...
Sei que nunca dorme
Até que uma fria
corrente de ar sopre na sala vazia
Sobre as tábuas que protegem
as janelas
E possa ouvir o pé dele no primeiro lance de
escada.
Sarah e Anna
moram no andar de cima.
Sarah é morena e mal vestida.
A
vida para ela não tem rituais.
Quebraria um ideal como um ovo
pela coisa alada no centro.
A sua mente é dura, brilha e corta
como um maçarico de acetileno.
Se quaisquer impurezas para aí
flutuarem, devem ser queimadas como uma chama clara.
É curioso
que trabalhe numa fábrica de calças.
Mas, onde poderia mais...
despenteada e com o colarinho torto na garganta verde oliva.
Além
disso, as suas mãos são desleixadas.
Com o Inglês… e tudo…
sobra tão pouco tempo.
Ela lê sem preconceitos -
Duvidando
clamorosamente de -
Psicologia, teatro, ciência, filosofias—
Essas flores gigantes que floresceram e murcharam, espalhando
as suas
sementes…
- E desse jovem solo e esforçado que
crescimento pode advir -
que incríveis florações.
Anna é diferente.
Sabe-se sempre acerca de Anna, e os rapazes
viram a cabeça
para olhar para ela.
Tem o apelo de uma
canção folclórica
E suas roupas baratas estão sempre na
moda.
Quando a greve começou, deu metade do salário.
Daria
qualquer coisa - excepto o elogio que é dela
E o amor de seu
corpo lírico.
Mas o desejo de
Sarah nada mais cobiça.
E partilharia qualquer a coisa...
Até
mesmo o seu amante.
III
As robustas crianças do Gueto
Marcham em parada,
Agitando
as bandeiras de brincar,
Empinando ao som das cornetas
-
Alegres, sem medo…
Agitando pequenos bastões de fogo
À
noite -
A velha noite cintilante -
Desviando do
caminho,
Envolta como um xaile em sua escuridão.
Mas uma pequena menina
Encolhe-se à parte.
A sua cabeça
trançada,
Brilha como um pássaro preto
Ao brilho da luz
da tocha,
Está pronta para voar.
Os seus olhos têm o
brilho
De luzes escurecidas.
Ela gagueja em Ídiche,
E não entendo,
E pelo seu rosto voa
Uma sombra
Como uma cortina
fechada.
Dou-lhe uma laranja,
Grande e dourada,
E olha
para ela inexpressivamente.
Pego na mão fria e tento
abraçá-la,
Mas ela é rígida...
Como uma boneca…
De repente, corre no meio da multidão
Como um pequeno pânico
branco
Soprado ao longo da noite -
Longe do terror dos pés
que se aproximam…
Tambores soando como maldições em rubras
bocas rugindo...
E tochas cuspindo fogo prateado
E luzes
que farejam fora de esconderijos...
Para a noite -
Agachada
como um corcunda
Sob o curvo alpendre -
A velha mãe
noite
Que sobreviveu à beleza e conhece os caminhos do medo -
A
noite - braços reconfortantes e abertos,
Escondendo-a como numa
imensa saia.
As robustas crianças
do Gueto
Marcham em parada,
Agitando as bandeiras de
brincar,
Empinando ao som das cornetas,
Alegres,
destemidas.
Mas eu vejo um branco vestido
E olhos como
luzes encapuzadas
Além da sombra dos pogroms
Observando…
observando…
IV
Calicós e peles,
Cadernos de bolso e lenços,
Lâminas de
barbear e facas
(Padrões em cheque…)
Mãos cor de azeitona e cabeça ruiva,
Picles vermelhos e
acobreados,
Picles verdes, picles castanhos,
(Padrões em
tapeçaria…)
Contas de coral,
contas azuis,
Contas de pérola e âmbar,
Futilidades,
alfinetes de beleza -
Bijuterias para raparigas -
Lançando
raios de cor violeta,
Ametista e jade…
Todas as cores para
jogar,
Baralhadas como arco-íris...
(Padrões em
vitrais
Quebrados em pedaços!)
Laços de alegres fitas
Enfeitando a manga,
Ligas
delicadas
Exibindo a sua marca…
Aqui uma ponta de coisas
pragueadas -
Há uma pequena penugem…
(Barbas brancas,
barbas negras
Como fios no tecido entrelaçados...)
E ah, os bebezinhos -
Bébés de negros olhos brlhantes -
(Meio
milhão de dedos rosados
A mover-se em conjunto.)
Cestas
cheias de bébés
Como uvas numa videira.
Mães entrando e saindo,
Fazendo tudo certo -
Pegando os
fios escorregados
Na rua Grand
à noite -
Grande rua como um grande bazar,
Apinhada como
um carro alegórico,
Nodosa como uma colcha louca
Esticada
numa imensa linha.
Mas vista mais
de perto
Esta ninhada do Leste
Assume uma majestade
truncada.
As barracas reunidas
Em
disposição dissoluta…
O brilho e a elegância
confusa
Estranhamente justapostos
Latas, papel, trapos
E
as cores desmaiando,
Desbotadas como cabelo velho,
Com
clarões de tons bárbaros
E olhos de
mistério...
arremessado
Como uma tapeçaria antiga de
tecido heterogêneo
Sobre a parede aberta desta nova terra.
Aqui, uma garota de cabelos castanhos...
Limões em caldo
esverdeado
E uma enorme tigela de barro
Perto de um
comerciante bronzeado
Com um gorro de lã de cordeiro na
cabeça...
Ele não repara nela.
Os seus olhos
económicos
Curvam-se - brilhantes, intensos
Os seus
olhares acumulados
Sobre a sua mercadoria,
Como se fosse um
tecido esplêndido
Ou roupas sumptuosas
Costuradas em
vermelho e dourado…
Ele
raramente fala
Excepto acerca das coisas que vende -
O
magro algodão com a sua flor sombria -
E com as suas mãos
magras
Que pairam como dois falcões
Acima de uma carne
suculenta,
Toca amorosamente em cada chita,
Como se fosse
um lindo xaile,
Ou um vestuário caro
Tecido em fio de
seda,
Ou um estranho tapete brilhante
Feito para pés com
sandálias…
Aqui, um grisalho
velho erudito.
Os seus olhos pensativos -
Que contêm
longas paisagens sem fim
De caravanas e árvores e estradas,
E
cidades diminuindo em memória -
Dobra-se agora sobre as suas
fitas e fios.
E se eles puxarem a
sua barba -
Estas sementes jovens e cruas de Israel
Que não
têm visão retrógrada em seus olhos -
E zombarem dele enquanto
se balança
Acima dos arcos afundados de seus pés -
Não
encontram nenhum gancho para pendurar as suas provocações.
A
sua alma é como uma rocha
Que tem uma frente desgastada e
lisa
Pela fricção áspera do mar,
E, imperturbável,
mantém a sua amarga paz.
E se um
braço rígido e uma forma azul opulenta,
Apoiado por uma
estrela de níquel
O empurrar,
Tomando a sua orgulhosa
paciência por humildade…
Todas as goteiras são como uma
Para
essa velha raça que foi lançada
No pavimento de pedra do
mundo…
E sorri com a pálida ironia
De quem tem
conservado
A sabedoria do Talmude
Na lavanda da sua
mente.
Aqui, esse jovem
comerciante,
Nascido para negociar como uma coifa,
Vende as
noções da hora.
Os gestos do ofício pertencem-lhe
E toda
a tradição
Como quando segurar, retirar, persuadir,
avançar...
E vender chiclete ou bandeiras,
Ou limpar tudo
ou etiquetar a mais nova coisa,
A demanda vai até ele como a
abelha para a flor.
E ele - avaliando
Todos os que vão e
vêm
Com a sua incrível
Leveza de espírito e o olhar
E
o pensamento ágil
E a natureza equilibrada como a balança em
zéro -
Olha para o oeste onde as luzes do comércio brilham,
E
vê até onde a sua vista alcança -
Uma visão pautada pela
medida,
Circunscrita em pedra -
Uns cinquenta andares até
o céu.
V
Quando me
sento no meu pequeno quarto do quinto andar...
Vazio,
Exceptuando
a cama e uma cadeira,
E manchas acobreadas
Deixadas por
chuvas torrenciais
No tecto baixo
E paredes de gesso
verde,
Onde quando a noite cai
As joaninhas douradas
Saem
dos seus buracos,
E as baratas, castanho sépia, as seguem…
Oiço
os sinos repicando
Na cinzenta igreja da Rutgers
Street,
Erguendo a alta cruz acima do Gueto,
E, um andar
abaixo do outro lado do pátio,
O papagaio gritando:
Vorwärts…
Vorwärts…
O papagaio branco
amarelado,
eternamente balançando
Em sua barra de
ferro.
Uma pequena velhinha,
Com
uma peruca de cabelo liso preto
Colada sobre a suas sobrancelhas
encolhidas,
Vem às vezes até à escada de incêndio.
Uma
velha mãe curvada,
O ombro esquerdo abaixo
Com a
inclinação desigual que as mulheres conhecem
Quando
amamentaram muitas crias...
Mas, hoje, nada vi senão o
papagaio.
Observo as suas manhãs
enquanto sacode os tapetes
Debilmente, com movimentos frágeis
E
sem força nos dedos.
Os seus músculos são frouxos
E
curvos os ossos arruinados,
A carne arroxeada como carne
velha,
Ainda que, cada um deles conspire
Para alimentar
esses fogos de sarjeta
Com os quais seus olhos são
rápidos.
Nas noites de
sexta-feira
As suas velas sinalizam
Raios finos
infinitos
Para outras janelas
Juntarem outras
luzes,
Ligando os cortiços
Como uma oração sem
fim.
Parece menos solitária que
o pássaro
Nesse dia a dia sobre a casa sombria
Grita a sua
palavra frenética...
Nessa noite após noite -
Se um
cachorro ganir
Ou um gato rosnar
Ou uma criança
doente choramingar,
Ou uma porta ranger nas dobradiças,
Ou
um homem e uma mulher discutirem -
Envia o seu grito acima dos
telhados:
Vorwärts… Vorwärts…
VI
Nesse café sombrio
Os velhos sentam-se agasalhados em
lã.
Tudo está desbotado, gasto, incolor, velho…
As
cadeiras, de juntas soltas,
Rangendo como ossos velhos -
As
mesas, os empregados, as paredes,
Cujo gesso manchado
Combina
em tom com a carne velha.
Vida e
pensamento jovens são igualmente vetados,
E nenhum ruído
inesperado abala os velhos nervos,
E as velhas respirações
ofegantes,
Passam por aí velhos pensamentos, secos como rapé,
E
não há divergência e nem atrito,
A vida é aplanada e moída
como que por muitos moinhos.
E é
aqui que o Comité -
De hálito doce e pele suave
E
flexível de coluna e joelho,
Com olhos brilhantes sem bolsas
E
o sangue, poderoso,
Saltando em artérias flexíveis—
O
insolente, jovem, entusiasta e indiscriminado Comité,
Que
colocaria lápides
E espalharia folhetos até em túmulos,
Chega
pisando com os pés sacrílegos!
Os velhos voltam-se rigidamente,
Resmungando uns com os
outros.
São gentis e entorpecidos e ocupados enquanto
comem.
Mas um levanta um rosto de palidez argilosa,
Há uma
fúria surda em seus olhos, como pequenas grades
enferrujadas.
Ergue-se lentamente,
Tremendo em suas muitas
faixas como uma múmia desperta,
Ridículo, mas terrível.
-
E o Comité lança-lhe um olhar perdido,
Deixa cair um folheto
ao lado do prato.
Um fogo
solitário cintila nos olhos empoeirados.
Os lábios cantam
inaudivelmente.
O torto corpo encolhido endireita-se como uma
árvore.
E então amaldiçoa...
Com os braços erguidos e
os dedos dobrados,
Em forma de garra, agarrando…
Então,
séculos atrás
Os velhos amaldiçoaram Acosta,
Quando os
proféticos ouviram sobre os seus sepulcros
Passos que não
podem parar nem desviar de coisas antigas.
VII
Aqui nesta sala, nua como um celeiro,
Egos gesticulam uns
para os outros -
Nus, sem forma, sem asas
Egos fora da
casca,
Examinando, procurando, devorando -
Ávidos tanto
pela flor quanto pelo esterco...
(Não tendo antenas delicadas
para o toque e a retirada-
Apenas a boca aberta…)
Egos grasnando,
Expandindo no mesquinho ovo…
Pequenos
alfaiates atarracados com rostos desgrenhados,
Pálidos como
banha,
Fabricantes de peles, operários de fábricas,
lojistas,
Jornalistas com olhos em luta
E corpos ainda
vibrantes com o ímpeto de longas corridas,
Aqui e ali uma
mulher...
Palavras, palavras,
palavras,
Batendo como granizo,
Como granizo caindo sem
objetivo...
Egos desenfreados,
Gritando uns para os
outros.
Um movimento perpétuo,
Agitando os braços como
arbustos.
Ele tem olhos ardentes e tossem
E uma voz fina
estridente
Como uma flauta entre trombones.
Um, de barba ruiva, empinado
Uma espécie de rosto mutilado
esmagado por alguma ferida antiga,
Garbles Max Stirner.
As
suas palavras chocam entre si como pequenos blocos de
madeira.
Ninguém lhe dá ouvidos,
E um menino esguio com o
cabelo sobre os olhos
Dá um soco na mesa.
- Ele é
presidente.
Egos lendo ainda a
cartilha,
Ouvindo as vozes do mundo
Cantando grandes
árias…
Maiores, ressonantes,
Impressionantes de
som…
Menores, desconcertantes
Meio-ouvidas como chuva em
lagoas …
Discordâncias majestosas
Maiores do que
harmonias...
— Recolhendo de tudo
Paixão, perplexidade,
dor…
Egos ansiando com o desejo
do mundo em seus olhos -
Doem os olhos quentes que não dormem o
suficiente…
Esforçando-se com um esforço
infinito,
Frustrados, mas sempre perseguindo
A grande
Liberdade branca,
Arrastando a glória a extinguir-se em cada
barricada duramente conquistada -
Apenas para desaparecer de
novo…
Egos chorando em
profundezas sem ordem
E agitando os seus sonhos como bandeiras
-
Sonhos multicoloridos,
Alados e gloriosos…
Um jacto de gás lança uma chama atrofiada,
Iluminando
vagamente os rostos tacteantes.
E pela janela sem cortinas
Cai
a luz desperdiçada das estrelas,
Tão frias quanto os olhos dos
sábios...
Grandes estrelas indiferentes,
Olhando
fortuitamente
A reunião secreta nessa sala fechada,
Despida
como uma manjedoura.
VIII
As luzes saem para fora
E os baús rígidos das
fábricas
Derretem-se na escuridão desenhada,
Revestida
como uma roupa sem costura.
E as
mães levam para casa os seus bébés,
De cera e delicadamente
enrolados,
Como pequenos vasos de flores fechados sob as
estrelas.
Luzes saem para fora
E
os jovens fecham os seus olhos,
Mas a vida corre dentro
deles...
A vida nos óvulos
apertados
Rasgando e dilacerando as suas células
vivas…
Guerras, artes, descobertas, rebeliões, trabalhos,
imolações,
cataclismos, ódios…
Presos na
carne selada.
E os jovens contorcem-se nas camas em langor e
vertigem
insuportáveis…
Os seus olhos - pesados e esmaecidos
Com poeira de longos
esquecimentos na polpa cinzenta por trás -
Olhando como através
de um vidro embaciado.
E olham para a lua - lançando um leve
calor -
A lua, loira e ardente, rastejando para as suas
camas
Suavemente, como com pés descalços...
Deitada na
colcha... como uma mulher oferecendo o seu pálido corpo.
Glória desnuda da lua!
Que salta de seus lençóis como um
atleta para seios de raparigas nuas;
Acariciando os seios macios
e frescos como madrepérola
Até os mamilos enrijarem e
queimarem como se pequenos lábios os tocassem.
Estremecem e
perdem o vigor.
E os ouvidos enchem-se de uma rapsódia
delirante,
Essa Vida, como um jogador bêbado,
Fere os seus
claros corpos brancos
Como chaves de marfim.
Luzes saem para fora…
E os grandes amantes permanecem em
pequenos grupos, ainda debatendo apaixonadamente,
Ou caminham em
silêncio, ouvindo apenas a convocação silenciosa da Vida -
A
vida fazendo a grande Exigência…
Chamando os seus novos
Cristos...
Até as lágrimas virem, manchando as estrelas
Que
se tornam ternas e reconfortantes como os olhos dos camaradas;
E
a lua rola atrás do Battery
Como uma palavra derretida na
boca de Deus.
Luzes saem para
fora…
E as cores correm juntas,
Fundindo-se e
flutuando…
Ouro pálido e desgastado como com engastes de
joias antigas…
Malvas, roxos requintados, trémulos e
luminosos
E pináculos ardentes em auréolas de luz
Como
auras cintilantes.
Estão agora a
cobrir os seus carrinhos...
Agora todos se foram, excepto um
velho com espelhos -
Pequenos espelhos ovais como pequenas
lagoas.
Ele arrasta-se por uma escura rua
E a lua lustra os
seus espelhos até que brilhem como fósforos...
A lua como uma
caveira,
Olha pelas órbitas cegas para os velhos que regressam
a casa com os carrinhos de mão.
IX
Um pálido amanhecer paira no céu
Quando entro na minha
pequena sala verde.
A luz de Sadie ainda está acesa...
De
fora, a lua frágil
Usada para um tecido prateado,
Lança
um leve brilho nos telhados,
E abaixo das torres sombrias
Luzes
na ponta dos pés…
Suaves como quando os amantes fecham as
portas da rua.
Fora do
Battery
um pouco de vento
Agita-se à toa - como um
braço
Vagueia ao lado de um barco em galanteio -
Ondulando
a lisa superfície morta do calor,
E a rua Hester,
Como uma
mulher perdida e desgastada
Por ter amamentado inúmeros
bébés,
Volta-se em sua cama para enfrentar o dia.
VIDA!
Vida surpreendente e vigorosa,
Que se contorce sob o
meu toque,
E me deixa perplexa quando a tento examinar,
Ou
me rejeita sem desculpas.
Deixando o meu ego inquieto a
reflectir.
Vida,
Articulada,
estridente,
Gritando em provocante afirmação,
Ou das
sarjetas negras e entupidas,
Tubulação em prata fina
Doce
staccato
Do riso das crianças,
Ou agarrada aos carrinhos de mão
Como uma ninhada de pequenos
sinos
Ou ao tilintar das moedas de prata,
Perpetuamente
mudando de mãos,
Ou como o Jordão sombriamente
Vagando no
tumulto de marés desconhecidas,
Mas à superfície calmo.
Correntes eléctricas de vida,
Lançando pensamentos como
faíscas,
Brilhando, desaparecendo,
Que fazem desconhecidos
circuitos,
Ou fora da agitação de partículas gastas,
Fracas
convulsões em velhas fés
Passar do novo adiante.
Longas noites discutindo
Em salas de reunião
Atrás de
intermináveis escadas -
Nas lojas Romenas de vinhos
E
pequenos salões de chá Russos...
Pés ecoando pelas ruas desertas
Na suave escuridão antes do
amanhecer...
Sobrancelhas doendo, latejando, queimando -
A
vida saltando na carne abalada
Como chamas numa cortina de
amianto.
Vida -
Encerrada,
transbordando
De alpendres e fachadas,
Empurrando,
empurrando, inventando,
Fervendo como num grande barril...
Trocar, trocar, extorquir,
Sonhando, debatendo,
aspirando,
Impressionante, indestrutível
A vida do
Gueto…
Um forte fluxo de vida,
Como
um vinho amargo
Fora dos alambiques sangrentos do mundo…
Fora
da Paixão eterna.
Lola Ridge in The
Ghetto and Others Poems, The Project Gutemberg, 2012.
Versão
Portuguesa de Luísa Vinuesa.