Vinicius de Moraes

A morte


A morte vem de longe

Do fundo dos céus

Vem para os meus olhos

Virá para os teus

Desce das estrelas

Das brancas estrelas

As loucas estrelas

Trânsfugas de Deus

Chega impressentida

Nunca inesperada

Ela que é na vida

A grande esperada!

A desesperada

Do amor fratricida

Dos homens, ai! dos homens

Que matam a morte

Por medo da vida.



Os acrobatas


Subamos!

Subamos acima

Subamos além, subamos

Acima do além, subamos!

Com a posse física dos braços

Inelutavelmente galgaremos

O grande mar de estrelas

Através de milênios de luz.


Subamos!

Como dois atletas

O rosto petrificado

No pálido sorriso do esforço

Subamos acima

Com a posse física dos braços

E os músculos desmesurados

Na calma convulsa da ascensão.


Oh, acima

Mais longe que tudo

Além, mais longe que acima do além!

Como dois acrobatas

Subamos, lentíssimos

Lá onde o infinito

De tão infinito

Nem mais nome tem

Subamos!


Tensos

Pela corda luminosa

Que pende invisível

E cujos nós são astros

Queimando nas mãos

Subamos à tona

Do grande mar de estrelas

Onde dorme a noite

Subamos!


Tu e eu, herméticos

As nádegas duras

A carótida nodosa

Na fibra do pescoço

Os pés agudos em ponta.


Como no espasmo.


E quando Lá, acima

Além, mais longe que acima do além

Adiante do véu de Betelgeuse

Depois do país de Altair

Sobre o cérebro de Deus


Num último impulso

Libertados do espírito

Despojados da carne

Nós nos possuiremos.

E morreremos

Morreremos alto, imensamente

IMENSAMENTE ALTO.


O riso


Aquele riso foi o canto célebre

Da primeira estrela, em vão.

Milagre de primavera intacta

No sepulcro de neve

Rosa aberta ao vento, breve

Muito breve...


Não, aquele riso foi o canto célebre

Alta melodia imóvel

Gorjeio de fonte núbil

Apenas brotada, na treva...

Fonte de lábios (hora

Extremamente mágica do silêncio das aves).


Oh, música entre pétalas

Não afugentes meu amor!

Mistério maior é o sono

Se de súbito não se ouve o riso na noite.


Imitação de Rilke


Alguém que me espia do fundo da noite

Com olhos imóveís brilhando na noite

Me quer.


Alguém que me espia do fundo da noite

(Mulher que me ama, perdida na noite?)

Me chama.


Alguém que me espia do fundo da noite

(És tu, Poesia, velando na noite?)

Me quer.


Alguém que me espia do fundo da noite

(Também chega a morte dos ermos da noite…)

Quem é?



Epitáfio


Aqui jaz o Sol

Que criou a aurora

E deu a luz ao dia E apascentou a tarde


O mágico pastor

De mãos luminosas

Que fecundou as rosas

E as despetalou.


Aqui jaz o Sol

O andrógino meigo

E violento, que


Possuiu a forma

De todas as mulheres

E morreu no mar.




Vinicius de Moraes in PoemasSonetos e Baladas, São Paulo, 1946.