Hilda Hilst
DESEJO
DE TANTO PENSAR, SEM NOME, ME VEIO A ILUSÃO, A MESMA ILUSÃO
Da égua que sorve a água pensando
sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito
luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de
cem luas.
De te sonhar, Sem Nome, tenho nada
Mas acredito
em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de
abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus
cimos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter
mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
Do
muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que Existo e
Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua
n’água.
CINCO ELEGIAS – QUARTA
Não te espantes da vontade
Do
poeta
Em transmudar-se:
Quero e queria ser boi
Ser
flor
Ser paisagem.
Sentir a brisa da tarde
Olhar os
céus, ver às tardes
Meus irmãos, bezerros, hastes,
Amar
o verde, pascer,
Nascer
Junto à terra
(À noite amar
as estrelas)
Ter olhos claros, ausentes,
Sem o saber ser
contente
De ser boi, ser flor, paisagem.
Não te espantes.
E reserva
Teu sorriso para ops homens
Que a todo custo hão
de ser
Oradores, eruditos,
Doutos doutores
Fronte e
cerne endurecido.
Quero e queria ser boi
Antes de querer
ser flor.
E na planície, no monte,
Movendo com igual
compasso
A carcaça e os leves cascos
(Olhando além do
horizonte)
Um pensamento eu teria:
Mais vale a mente vazia.
E sendo boi, sou ternura.
Aunque
pueda parecer
Que del poeta
Es locura.
AMAVISSE
Como se te perdesse, assim te
quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um
amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro
inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns
portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No
dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando
um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De
redes e de anseios inundada.
Hilda Hilst in Da Poesia, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 2024.