Bertolt Brecht

SENTE-SE . . . 


(N.° 10 dos POEMAS RELACIONADOS COM O «MANUAL PARA HABITANTES DE CIDADES») 


Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.

Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?

Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota.
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene, O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.

Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.

Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas
Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.

É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.

Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.

Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.
Você é um I.

De resto isso não é grave.
É assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política! Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.

E você é I.
(Formidável, não acha?)

Você ainda não está ao corrente?
Quem há-de então dizer-lho?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.

Este homem é um I.
Nada mais.

Não basta tocar o disco uma só vez.


  
EPÍSTOLA SOBRE O SUICÍDIO


Suicidar-se
É coisa corriqueira

Pode-se falar nisso à mulher a dias
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Há que evitar um
Certo pathos simpático.
Mas nâo é preciso fazer disto um dogma.
No entanto, parece-me preferível
O pequeno bluff do costume:
Estar farto de mudar a roupa, ou melhor:
A mulher pôr-lhe [os cornos]
(O que faz um certo efeito aos que se impressionam com essas coisas                    
E não é demasiado bombástico).
De qualquer modo
Não se deve dar a impressão
De que se dava
Muita importância a si mesmo.



ÚNICAMENTE POR CAUSA DA DESORDEM CRESCENTE


Únicamente por causa da desordem crescente
Nas nossas cidades com suas lutas de classes
Alguns de nós nestes anos decidimos
Não mais falar nos grandes portos, da neve nos telhados, das mulheres
Do perfume das maçãs maduras na despensa, das impressões da carne,
De tudo o que faz o homem redondo e humano, mas
Falar só da desordem
E portanto ser parciais, secos, enfronhados nos negócios
Da política, e no rádio e "indigno" vocabulário
De economia dialética,
Para que esta terrível pesada promiscuidade
Das quedas da neve (elas não são só frias, nós bem o sabemos),
Da exploração, da tentação da carne e da justiça de classes,
Não nos leve a aceitação deste mundo tão diverso
Nem ao prazer das contradições de uma vida tão sangrenta.

Vocês entendem.



EPITÁFIO PARA MIM

Dos tubarões fugi eu
Os tigres matei-os eu
Devorado fui eu
Pelos percevejos.



Bertolt Brecht in Poemas, 1974.
Selecção, Estudos e Notas de Arnaldo Saraiva.
Tradução de Arnaldo Saraiva com a colaboração de Sylvie Deswarte.