António Franco Alexandre

 

1


Suponha que desprende desaprende

que só de si depende separar-se

em esse início a boca desatenta

em mudo ouvido

suponha que me inventa


o liminar deserto desenhando

num princípio de breves acidentes

suponham que conheço a sua terra

o aroma irrespirável dos teares

o azeite da ira e

suponham que os invento


suponha que nasci no mississipi

aprendi a falar no vão do vento

os lábios dos navios já não entendem

o amor às idades muito

lentas

suponho que o invento


suponha que o início não começa

suponha que o princípio não limita

as palavras são duros tornozelos

o sol ruiu nos vidros deslavados

quase ninguém ou nada

o mergulho da tarde nos inventa.


.


só o ar é humano

escasso foi

o início

depois nasceu

o desfile do rosto



2


não há peso no mundo. não acredite

em tudo o que lhe dita

a força do corpo.

A dor é um alarme que ninguém ouve.

tudo o que hoje sabe já: era

cedo na manhã; ele

aqueceu o café, e desenhou

na janelade vidro algumas linhas.



3


fernando sonhas pessoa

viajando deaeroplano

sobre as ilhas


ao tronca encostas a concha

foste arara

tartaruga



4


e há o sussurro da água nas gavetas

e a tão ligeira dobra dos lençóis

um sopro sopra as folhas

redondas da areia


e há o seu corpo que pesa na brancura

as suas mãos esse pequeno ardor



5


não existe o inferno as águas desmanchadas

não existe o sorriso sobre a boca os dentes

inclina o coração em vão as asas

e o mar não seca os rios e são

banalidades crassas crases


o corpo em que te deitas não existe

nem o leito da àgua em que desejas

o nunca o sempre já o entretanto


são só nos dedos nus os pesadelos

as esquinas de corda e numa delas

a tosca rima que nos desfaleça.



6


outros dirão os nomes certos eu

digo amor a pedra a água o

lixo derramado e o

pavor as palavras

as palmeiras as sombras dos

navios os dedos que

contemplam


em tua idade os nomes se

despedem eu te nomeio

homem




António Franco Alexandre in Visitação, 1982.