Tristan Tzara

"PAR OÙ JE PASSE"


por onde eu passo passou o ferro em brasa
e os olhos roídos pelo fogo das lágrimas
passaram pelo sangue e o leão
ó rígido

nenhum vento estremeceu mais para dentro da noite
que a dívida obscura
o mercado do sol entrou no quarto
e o quarto na cabeça cheia de zumbidos

amadurecer as iscas do desalento
que gente mais timorata atirou ao chão
quente desfalecer de uma noite de trabalho
viver toda a sua indiferença

e tão calma a noite enquanto ainda caminha na embriaguês
embrulha-se na cidade das plantas
uma invisível mão me empurra selvagem
pelos velhos caminhos dos jardineiros

onde vibram as notícias
se reviram os canteiros
onde ainda lágrimas se tiram
e há ferros a torcer no inverno



Tristan Tzara in Poesia do século XX 
(De Thomas Hardy a C. V. Cattaneo), 1978.
Antologia, Tradução, Prefácio e Notas de Jorge de Sena.




DE "OÙ BOIVENT LES LOUPS"


em torno ao eixo que as labaredas lambem
e os oficiais da morte
tantas vilezas subjugam as bruniduras
que a trama da nossa residência se dissipa
entre todas as pedras mais pesadas
há uma constelação ao colo
uma juventude que não cantas nem alcanças
saciando-se com a dádiva do fogo sobre a terra
a fome não ardeu ainda em mim as duras pausas
onde lavei os meus pés feridos
as suas corridas desordenadas radicaram-se na minha fronte
e grumos de terra e linfa coagulados
descobremse com os indecisos tufos da juventude
juventude juventude volto sempre aos teus caminhos
de filões perdidos são os restos da trama
sobre os dias que ainda velam sobre os teus bastiões
insuperáveis atrás dos quais tu tens a mesa posta
e que tão raras vezes pude escalar às escondidas
mas as folhas são tão vivas sob os olhos fixos no quadrante dos dramas
numerosas se comprimem na embocadura as flores dos jovens anos
empoleiradas sobre os ombros de água
como a mão aberta que assume
a primavera demasiado jovem para se levantar
dos estratos profundos e grita terra terra abrindo-se
boca ávida sangue salino

é a colmeia que abre o peito ao meio
goteja escolhos sob todos os cílios
penetrantes no carnoso calor das baixas atmosferas
onde fervilha a plebe entre os tributos do mar
nada é mais fácil do que a vida na minha cabeça
lançada sobre a praia delicada
e o silvo doloroso do vento viola as expedições do sol

são raros e tenazes rebentos
feridas vivazes que não se comovem nem com andorinhas
nem com remorsos roendo o solo a abrir fendas
e as ossadas rangem nas junturas da terra
calcinando viris lentidões




ANEDOTA


gigantes de chuva frescura de Verão
ó profundidade das vãs centelhas
vou tentando sempre as quedas mais seguras
não serei talvez esse que ao longe se vê viver e sucumbir
assim vou desfolhando paisagens de lugar em lugar
dilacerando dilacerado fiel
de madeira morta de carne da terra
à má sorte perseverante
de temporada em temporada
sou cavalo sou enxurrada
avanço mal mas vivo




Franco Fortini in O Movimento Surrealista, 1965.
Tradução de António Ramos Rosa.