Edmundo de Bettencourt
O vento parado nas vidraças
e o luar da neve que se queixa à claridade azul do quebra-luz,
na sala sonâmbula de distância,
vêm devagar abrir as portas aos lobos esfomeados,
de goelas abertas... uivando e engolindo o frio...
Tu não os vês entrar
(arrancaram-te os olhos).
Nem vês o medo, um mefistófeles aéreo,
louco, a fazer-te rir.
E ris de tal maneira
que de repente és uma flor de fumo,
suspensa,
à claridade azul do quebra-luz,
na sala morta de distância agora.
Eu sou de sombra, os lobos não te vêem,
por isso ficam mudos e extáticos em volta,
à espera de sumirem-se no chão...
Ali os répteis cobriam sem deixar espaço
as árvores, os caminhos e os montes.
Foi então que a ave inquieta e enjoada
abandonou a aldeia dos répteis para sempre.
Ei-la chegada a um ponto extremo.
Porém não tem onde pousar.
Em frente é a baia mágica dos vulcões em actividade.
Em cima o céu com a sua ausência.
Em baixo o mar com o seu fundo.
À passagem de todos os limites,
a escuridão sem nome e vida ignota.
Em todas as direcções mais que atraída
a ave negra fica no ar, parada, e ali jaz?
Edmundo de Bettencourt in Poemas Surdos, Assírio & Alvim, 1981.