Nietzsche

SINAL DE FOGO


Aqui, onde entre os mares surgiu a ilha,
uma pedra de altar subitamente erguida,
aqui, sob o céu negro,
acende Zaratustra o seu fogo das alturas,
sinais de fogo para navegantes sem rumo,
ponto de interrogação para os que têm resposta...

Esta chama de ventre esbranquiçado
- lança para frias lonjuras a sua avidez,
curva o pescoço para altitudes cada vez mais puras -
serpente erecta de impaciência:
este é o sinal que coloquei diante de mim.

A minha própria alma é esta chama:
insaciável de novas lonjuras
flameja para o alto, a sua calma ardência.
Porque fugiu Zaratustra dos animais e dos homens?
Porque se afastou de súbito de toda a terra firme?
Seis solidões já ele conhece - ,
mas nem o próprio mar lhe foi bastante solitário,
a ilha permitiu-lhe subir, no monte tornou-se chama,
demandando uma sétima solidão
arremessa agora o anzol sobre a sua cabeça.

Ó mares do futuro! Céus inexplorados!
A tudo o que é solitário lanço agora o anzol:
Dai resposta à impaciência da chama,
apanhai para mim, pescador sobre altos montes,
a minha sétima última solidão! - -




“A GAIA CIÊNCIA”


Isto não é um livro: Os livros que importam,
Estes caixões e mortalhas?!
O que passou é a presa dos livros:
Mas o que aqui está é um eterno Hoje.



SEGUNDA VERSÃO


Isto não é um livro: Os livros que importam?!
Que importam os caixões e as mortalhas?!
Isto é uma vontade, isto é uma promessa,
Isto é um último quebrar de pontes,
É um vento do mar, um levar de âncora,
Um ruído de rodas, um apontar de leme:
Ruge o canhão com o seu fogo branco,
E ri-se o mar, o monstro!


  
CANÇÃO DE EMBRIEGUEZ


Ó Homem! Atenção!
Que diz a funda meia noite?
“Estava a dormir, a dormir – ,
De um sonho fundo acordei: –
O mundo é fundo,
E mais fundo do que o dia pensava.
Funda é a sua dor – ,
A alegria – mais funda ainda que o pesar:
A dor diz: Passa e morre!
Toda a alegria, porém, quer eternidade – ,

– quer funda, funda eternidade”



A UM AMIGO DA LUZ


Se não queres estafar o espírito e o olhar,
Vai sempre atrás do sol - mesmo na sombra!



MORAL DA ESTRELA


Predestinada à carreira de astro,
Que te importa, Estrela, a escuridão?

Rola feliz através deste tempo!
Longe a alheia te fique a sua miséria!

O teu brilho pertence aos mundos mais distantes:
Pecado seja para ti a compaixão!

Um só mandamento vale pra ti: Sê pura!



Friedrich Nietzsche in Poemas, 1986.
Antologia, Versão Portuguesa, Prefácio e Notas de Paulo Quintela.