Eugénio de Andrade

 

MEDITERRÂNEO


Como no poema de Whitman um rapazito

aproximou-se e perguntou-me: O que é a erva?

Entre o seu olhar e o meu o ar doía.

À sombra doutras tardes eu falava-lhe

das abelhas e dos cardos rente à terra.



ACORDE PERFEITO


Oh, os ramos do verão -


onde as cigarras

cantam

ou a cal


queima lentamente o coração.



EPITÁFIO


Barcos ou não

ardem na tarde.


No ardor do verão

todo o rumor é ave.


Voa coração.

Ou então arde



SÍLABA A SÍLABA


Eis a sílaba a sílaba de uma cor perversa

O tempo quase nu para levar à boca


Como se fora minha a respiração do trevo

alcanço a linha de água


Habito onde o ar dói


as próprias mãos acesas



CODA


Nenhum pensar agora: calma

e profunda corrente de silêncio

entre mim e o que de mim ainda

se aproxima: simples fulgor

antes de arder no cume

talvez a cal: ou só o seu rumor.



PARÁGRAFOS DA SEDE


Animal do deserto, o sexo. Expulso da alegria. Que procura ainda, no território da sede? Outrora boca, mordendo a poeira, A língua do sol, entre a cegueira e o cio? A semente do linho?

          Animal do deserto, marrando contra o muro.




Eugénio de Andrade in
Poesia e Prosa (1940-1980), 1982.