Sri Aurobindo Ghose


A DANÇA CÓSMICA


DANÇA DE KRISHNA, DANÇA DE KALI



Duas medidas há na dança cósmica.

        Dos pés de Kali ouvimos o passo que esmaga

Medindo os ritmos de dor, de tristeza e de sorte,

        O jogo da vida, o jogo do azar terrível e doce.


O ordálio do Iniciado velado,

       A alma do herói no jogo que abraça a Morte,

Lutador no terrível ginásio do Fado

      E sacrifício a um solitário caminho para a Graça,


As dores do homem criaram a chave dos Mistérios,

    Estrada da verdade fora dos desperdícios do Tempo de sonho,

As sete portas d’ alma para erguer do túmulo da Matéria

     São os motivos comuns da sua trágica história.


Mas quando através da Natureza se moverá a dança de Krishna,

A sua máscara de doçura, de riso, de êxtase, de amor?



A DEUSA DE PEDRA


Na cidade dos deuses, alojada num pequeno santuário,

      De membros esculpidos olhou-me  a Divindade, -

Uma Presença imortal, viva e divina,

      Uma Forma que acolheu todo o infinito.


A grande Mãe do Mundo e sua potente vontade 

     Habitou o sono abismal da terra,

Sem voz, omnipotente, inescrutável,

     Muda no deserto e céu profundo.


Agora velada pela mente, nenhuma palavra diz,

    Sem voz, omnisciente, inescrutável,

Ocultando até que a nossa alma veja e oiça

    O segredo da sua estranha encarnação,


Una com o adorador e a forma imóvel,

Beleza e mistério que não veste carne ou pedra.



A ILHA SOLAR


Naveguei no oceano dourado

        E atravessei a barra de prata;

Alcancei o Sol do conhecimento

        A própria estrela da meia-noite da terra.


Seus campos de flamejante visão,

        Suas montanhas de nua grandeza,

Seus picos de euforia ardente,

        Seu ar de luz absoluta,


Seus mares de auto-esquecimento,

        Seus vales onde Titã repousa,

Tornaram-se o domínio de minh'alma,

        A ilha do Abençoado.


Sozinho com Deus e o silêncio,

        Intemporal no tempo vivia;

Viver era a Sua fuga de música,

        Pensar era a acesa rima da Verdade.


A Luz ainda estava em meu redor

        Quando regressei a terra

Guiando o saber do Imortal para

        A caverna onde nasce o homem.



NOIVA DE FOGO


Noiva do Fogo, abraça-me forte, -

        Noiva do fogo!

Verti o rubor da rosa terrestre,

        Saciei o desejo.


Beleza da Luz, cerca a minha vida, -

        Beleza da Luz!

Sacrifiquei a saudade e a dor apartei,

        Posso sofrer o teu deleite.


Imagem de êxtase, emoção e enlace, -

        Imagem de felicidade!

Veria apenas a maravilha da tua face,

        Sentiria apenas o teu beijo.


Voz do Infinito, rumor em meu peito, -

        Clama pelo Uno!

Grava aí o teu brilho, nunca te apartes,

        Ó sol vivente.



NOITE JUNTO AO MAR


Amor, deixa cair as mãos por um momento;

Expande-se a noite dentro de minha alma.

Vela as tuas justas e belas rosas cor de leite

Nesse cabelo escuro e molhado.

Beijos de coral não são violentos

Quando a alma tem a cor do pensamento;

Ardentes olhos proibidos são então.

Deixa cada pálpebra timidamente aberta

Flutuar como uma pomba que pousa

Sobre esses poços profundos do Amor.

A escuridão ilumina; prateadas fogem

Levadas pelo mar bombas de espuma.


No abrupto repouso deste jardim

Iluminado por ardentes rosas,

Dourado campo de doces narcisos

Cintilando fraco em rosáceas lâmpadas, 

Incenso de madressilva adivinhado

Pela fragrância do seu peito, -

Aqui onde as mãos do verão coroaram

O silêncio nos campos do som,

Aqui deveria estar a felicidade.

Escuta, Edite, até ao mar.


Que voz de grande dor se intromete

Entre estas felizes solidões!

Ao vento em que habitas,

O oceano, historiador antigo, narra

Todo o coração terrível de lágrimas

Escondidas nos felizes anos.

Filhos do verão, que fazeis

Através do mar severo e triste?

Nem primeiros nem sozinhos 

Ouvimos o forte gemer do oceano

Por este tesouro de flores

Nas suaves horas ambíguas. 

Quantos lábios rubi-vermelhos de menina

Alimentaram com o mel primaveril

Bocas felizes e faces macias, coradas,

Coloridas com a luz do sol rosado de Amor.

Lábios rosáceos de muitos rapazes

Descobriram colinas joviais de alegria,

Um rubi-guiado através de um beijo

Para as doces rotas da felicidade. 

Aqui eles viram a noite ainda

Vindo lentamente das colinas

E erguem-se as pacientes estrelas

Nos céus para seus avançados postos;

Ouviram o embate do oceano na costa,

A velocidade e o trovão da sua onda,

Cantando ouviram como uma abelha

O meio-dia sobre as águas do mar.

Nada disto existe. Pois que a nossa rosa,

coroada de flores, voa ao vento agora

E a tua gloriosa e doce coroa

Não voltará a beijar os pés errantes.

Todas as luzes da primavera se calaram,

No abrigo do inverno se ocultaram.

Dádivas de beleza e lazer de néctar,

Lábios, os favos de mel do prazer,

As faces erguidas, solo natal do Amor,

Seios, o ardente saque do conquistador,

A primavera nega; um filho mais amado

Os seus frágeis desejos seduziu.

Oh, o nome dela que se repita,

Então a musa dórica mais doce

Podia a mão mais branca iluminar

Escrevendo e refrescando a floração

De lábios que usavam essas sílabas,

E tarde por homens morre mal amada.

Somos mais do que flores de verão?

Será uma data mais longa a nossa,

Rosa e primavera, jovens e nós

Junto ao mar eterno?


Pereceram como as lendas, dizem

Engolidos pela fumaça do inferno?

Escrevem-se em relíquias de espirais

Ou num círculo triste de incêndios?

Em que bosques sem luz devem existir

Ou afastarem-se por becos murmurando?

Campos sem visita à luz solar, fluxos

Onde nenhum lótus feliz brilha?

Porém, onde jazem seus passos abaixo,

Doces memórias para os camaradas vão.

As águas de Lete ditaram sua vontade,

Mas a alma recorda tudo ainda.

A beleza paga sua benção de alento

Em seu exíguo crédito, a Morte,

Legando um perfume breve; e

Perecemos também junto ao mar.


Devemos perder, ah eu! cedo demais 

Perder a lua clara e silenciosa,

As serenidades da noite

E a luz da tarde mais profunda.

Devemos desconhecer quando a manhã

Se levanta no nascente leste,

Nunca sentir a agitação do vento oeste,

O delicioso mensageiro da primavera,

Nunca repousar entre os ramos

Vagarosos entre a chuva de lábios doces,

Observar os momentos da árvore,

Nem conhecer os sons que atravessam o mar.


Com teus beijos persigo esta tristeza:

Pensamentos, os filhos do túmulo.

Beija-me, Edite. Em breve a noite

Vem e esconde a luz da felicidade.

Os amados pela natureza são mortos,

De novas fontes de vida se alimentam.

A aurora acende os céus imortais.

Ah! Que benção é ter olhos fechados à terra?

As doces dívidas do amor erguem-se, doces;

Pagamento para honrar e por cumprir,
Pressa - um milhão é para pagar -

Demasiado cedo para que o dia previsto

Termine e que cativos nos conserve

Na escuridão e no eterno sono.

Vê! A lua tomba do céu.

Nas paredes brancas de neve do teu peito

Suprema e suavemente habitado

Fecha o meu coração; mantém-no fechado

Como uma rosa de grão indiano,

Como aquela rosa contra a chuva,

Fechada a tudo o que a vida aplaude,

Adereços perecíveis da natureza,

E os ares que pesam como fardos em mim

Com tais pensamentos como o mar se agitam.




Sri Aurobindo Ghose in Colected Poems, 1ª Edition

© Sri Aurobindo Ashram Trust 1972, Pondicherry

Versão adaptada a verso livre de Luísa Vinuesa.

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