Mosab Abu Toha
Os Meus Sonhos de Criança
Ainda tenho sonhos sobre
um quarto cheio de brinquedos
que a minha mãe prometeu
que poderíamos ter
se fôssemos ricos.
Ainda tenho sonhos sobre
ver o campo de refugiados
de uma janela de um avião.
Ainda tenho sonhos sobre
ver os animais que
aprendi na terceira classe:
elefante, girafa, canguru,
e lobo.
Ainda tenho sonhos sobre
correr quilómetros
e quilómetros sem fronteiras
que limitassem os meus pés,
sem bombas não detonadas
que me assustassem.
Ainda tenho sonhos sobre
a minha equipa favorita jogando
futebol na praia,
comigo à espera de que a bola
viesse na minha direcção
e fugisse com ela.
Ainda sonho com
o meu avô, com o quanto
quero colher laranjas
com ele em Yaffa.
Mas o meu avô morreu,
Yaffa foi ocupada e já não
crescem laranjas
em seus bosques que choram.
Sem Arte
A arte de perder não é difícil de dominar.
— ELIZABETH BISHOP
Sabes que tudo em brece se irá esgotar:
o açúcar, o chá, a salva seca,
a água.
Basta ires o mercado para te abasteceres.
Até a tua sombra te abandonará
quando se extinguir a luz.
Por isso, guarda as coisas que apenas te pertençam:
o livro de poemas que só tu podes decifrar,
o mapa em branco de um país
cujas cidades e vilas só tu podes reconhecer.
Pessoalmente perdi três amigos na guerra,
uma cidade para as trevas e uma língua para o medo.
Não foi fácil sobreviver,
a sobrevivência revelou-se necessária para dominar.
Mas, de todas as coisas,
perder a única fotografia do meu avô
sob os escombros da minha casa
foi um verdadeiro desastre.
Estamos à procura da Palestina
O sol nasce e move-se.
Prepara-se para visitar outros lugares.
E nós, nós estamos à procura da Palestina.
Os pássaros acordam e procuram alimento.
Cantam nas árvores floridas, carregadas de frutos,
com pêssegos, maçãs, alperces e laranjas.
E nós, nós estamos à procura da Palestina.
As ondas do mar batem na praia.
Brilham e dançam com os barcos dos pescadores.
E nós, nós estamos à procura da Palestina.
As pessoas viajam para casa de familiares e amigos.
Reservam bilhetes de ida e volta, enchem as malas
com presentes, livros e roupa.
E nós, ainda estamos à procura da Palestina.
Senhor, não temos aeroportos nem portos marítimos;
nem comboios ou rodovias.
Não temos estradas transitáveis, senhor!
Temos canadianas e cadeiras de rodas.
Os homens jovens com uma ou nenhuma perna,
não podendo mais trabalhar, como se houvesse trabalho.
Viajamos para a Cisjordânia ou Egipto para uma cirurgia,
mesmo para tratar uma perna partida.
Mas precisamos de uma autorização para entrar.
Enchemos as malas com fotografias e memórias.
Parecem muito pesadas no chão;
não as podemos transportar, nem as estradas.
Marcam a superfície da Terra.
Perdemo-nos no passado, presente e futuro.
Quando uma criança nasce, ficamos tristes por ela.
Uma criança nasce aqui para sofrer, senhor!
Uma mãe sente uma grande dor no parto.
Uma criança chora depois de sair do seu escuro lugar.
Na Palestina, a nossa escuridão não está segura.
Na Palestina, as crianças estão sempre a chorar.
Se queremos viajar, saímos muitas vezes.
Em Gaza, sai-se por Erez ou Rafah,
uma fuga difícil de fazer,
então procurámos a entrevista para o visto.
Cairo, Istambul, Amã? (Mas não na Palestina!)
Não temos embaixadas, senhor!
A de Jerusalém é mais distante
do que a Galáxia de Andrómeda.
Andrómeda fica a 2,5 milhões de anos-luz.
Mas os nossos anos continuam pesados e escuros.
Levaria triliões de anos.
Senhor, não somos bem-vindos em lado nenhum.
Só os cemitérios não se importam com os nossos corpos.
Não procuramos mais a Palestina.
Passamos o nosso tempo a morrer.
Em breve, a Palestina procurar-nos-à,
aos nossos sussurros, aos nossos passos,
às nossas imagens desbotadas caídas de paredes explodidas.
A Minha Biblioteca
Os meus livros continuam nas prateleiras como os deixei no ano passado,
mas todas as palavras morreram.
Procuro o meu livro favorito,
Fora do lugar.
Encontro-o solitário numa gaveta,
ao lado do álbum de fotografias e do meu antigo telemóvel Nokia.
A caneta no interior do livro está ainda intacta,
mas algumas gotas de tinta vazaram.
Algumas palavras respiram a sua tinta,
a caneta como um ventilador
para uma dezena de pacientes:
Casa, Jerusalém, o mar, Haifa,
a rocha, as laranjas, a areia,
o pombo, o Cairo, a minha mãe,
Beirute, os livros, a rocha, o mar, o mar.
Este Sou Eu!
Uma cidade cujas ruas lhe escapavam,
uma casa sem janelas,
uma chuva sem nuvens,
um nadador no deserto,
uma camisa com botões rasgados,
um livro com páginas soltas,
uma lua sem luz e erva sem cor,
um sorriso desdentado e uma gargalhada sufocada,
uma pintura escura sobre tela preta.
Entendes?
Sou uma mesa sem pernas,
um restaurante barulhento e sem clientes.
Escrevo com uma caneta sem tinta.
Escrevo o meu nome no ar.
Quando grito, não sai voz.
Olho em redor e vejo muitas coisas,
mas não vejo ninguém.
Floresta do Ruído
Um carro desliza na nossa rua de asfalto,
como um ferro a passar sobre uma tábua de engomar.
Mas na minha cidade, as ruas nunca são planas.
Os buracos de bombas estão por toda a parte,
como ninhos de corvos numa floresta de ruído.
Verdadeiro ou falso: um teste feito por uma criança de Gaza
Para o Ocidente
1.º A Palestina era desabitada antes de 1948.
2.º Os residentes de Gaza podem viajar quando quiserem.
3.º Um pai em Gaza pode dar-se ao luxo de levar o seu filho a um hospital e até comprar uma sepultura se o seu filho estiver morto.
4.º Gaza tem um aeroporto, mas não um porto marítimo.
5.º Todas as pessoas em Gaza são originárias de Gaza.
6º Se os golfinhos não aparecerem junto à costa, as crianças de Gaza pedem aos seus pais para as levarem a velejar para conhecer os ociosos golfinhos.
7.º Todos os dias é possível ouvir aviões a cruzar o céu sobre Gaza.
8.º Os pais levam os filhos aos parques todos os meses.
9.º As escolas em Gaza estão abertas para os alunos aprenderem, não para se abrigarem.
10.º As pessoas na Cisjordânia e em Gaza podem convidar-se umas às outras para partilhar uma refeição.
11.º A nossa tia e a sua família na Jordânia podem visitar-nos em Gaza, ou podemos visitá-los.
12.º As únicas coisas que caem do céu em Gaza são a chuva e o cocó dos pássaros.
Nota:
Quando terminar de responder às questões, entregue o teste a qualquer criança palestiniana que poderá corrigi-lo por si. Além disso, pode assinar o seu livro em meu nome.
Segundo Allen Ginsberg
Vi as melhores mentes da minha geração destruídas numa tenda,
à procura de água e fraldas para crianças;
destruída por bombas;
uma geração sob os escombros
das suas casas bombardeadas;
Vi os melhores cérebros da minha geração
saindo das suas cabeças cortadas.
Por um momento
O seu pequeno corpo cavalga nos meus braços
enquanto corro para o hospital.
Não há electricidade
e os corredores internos são
uma floresta ladeada de berços.
A menina que transporto
está morta,
sei isso.
A pressão da explosão
rasgou as suas veias finas.
Sei que ela está morta,
mas todos os que nos vêem
correm atrás de nós.
Estás vivo
por um momento,
quando as pessoas vivas
correm atrás de ti.
Mosab Abu Toha in Forrest of Noise - poems, Alfred A. Knopf, 2024.