Paul Éluard
A
PERDER DE VISTA
NO SENTIDO DO MEU CORPO
Todas as árvores com todos os ramos com todas as folhas
A erva na base dos rochedos e as casas amontoadas
Ao longe o mar que os teus olhos banham
Estas imagens de um dia e de outro dia
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A transparência dos transeuntes nas ruas do acaso
E as mulheres exaladas pelas tuas pesquisas obstinadas
As tuas ideias fixas no coração de chumbo nos lábios
virgens
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A semelhança dos olhares consentidos com os olhares
conquistados
A confusão dos corpos das fadigas dos ardores
A imitação das palavras das atitudes das ideias
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
O amor é o homem inacabado
A NÃO PERDER DE VISTA
Dissipa o dia,
Mostra aos homens as leves imagens da aparência,
Retira aos homens a possibilidade de se distraírem.
É duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,
E o seu brilho é tal que todas as armaduras, todas as
máscaras, se tornam falsas.
O que a mão tomou desdenha tomar a forma da mão,
O que foi compreendido já não existe,
A ave confundiu-se com o vento,
O céu com a sua verdade,
O homem com a sua realidade.
SEUS
OLHOS SEMPRE PUROS
Dias de lentidão, dias de chuva,
Dias de espelhos quebrados e de agulhas perdidas,
Dias de pálpebras cerradas ao horizonte dos mares
De horas sempre iguais, dias de cativeiro.
Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas
E as flores, meu espírito está nu como o amor,
A aurora que ele esquece fá-lo baixar a cabeça
E contemplar seu corpo obediente e vão.
No entanto, eu vi os mais belos olhos do mundo,
Deuses de prata que traziam em suas mãos safiras,
E na água, eu os vi.
Suas asas são as minhas asas, nada existe
Salvo o seu voo que sacode a minha miséria,
O seu voo de estrelas e de luz,
Rio, planície, rocha, o seu voo
As ondas claras
das suas asas,
O meu pensamento sustentado pela vida e pela morte.
DIGNIDADE
SIMÉTRICA BEM PARTILHADA
Dignidade simétrica bem partilhada
Entre a velhice das ruas
E a juventude das nuvens
Janelas fechadas mãos trémulas de claridade
Mãos como fontes
E a cabeça dominada.
TRISTEZA
DE ONDAS DE PEDRA
Tristeza de ondas de pedra.
Lâminas apunhalam lâminas
Vidros quebram vidros
Lâmpadas apagam lâmpadas.
Tantos laços quebrados.
A flecha e a ferida
O olho e a luz
A ascensão e a cabeça.
Invisível no silêncio.
Paul Éluard in Algumas
Palavras, Dom Quixote, 1977.
Antologia e Prefácio de António Ramos Rosa.
Tradução de António Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge.