Walt Whitman

Quando Ouvi o Erudito Astrónomo


Quando ouvi o erudito astrónomo,
Quando as provas, as figuras, foram diante de mim em colunas alinhadas,
Quando me mostrou os gráficos e os diagramas, para somar, dividir,
           e para medir,
Quando sentado ouvi o astrónomo na sala de aula
           Onde dissertou com muito aplauso,
Tão cedo e inexplicável fiquei cansado e doente,
Até que me ergui e voando para fora vagueei sozinho,
No ar húmido e místico da noite, e de tempo em tempo,
Olhei para cima em perfeito silêncio para as estrelas.




TERRA, MINHA SEMELHANÇA.


TERRA, minha imagem e semelhança,
Ainda que aí pareças tão impassível, ampla e esférica,
Suspeito agora de que isso não é apenas tudo;
Suspeito agora de que há algo feroz em ti elegível para se mostrar,
Porque um atleta se enamorou de mim, e eu dele,
Embora para ele exista algo feroz e terrível em mim elegí-
          vel para se mostrar,
Não ouso dizê-lo em palavras, nem mesmo nestas canções.



Ó Sempre a Viver - Sempre a Morrer!


Ó sempre a VIVER - sempre a morrer!
Ó funerais de mim, passado e presente!
Ó eu, enquanto passo em frente, material, visível, imperioso sempre!
Ó eu, o que era há anos, agora morto, (eu não lamento Estou
          contente;)
Ó desembaraçar-me desses meus cadáveres, que revolvo
          e olho, em que lugar os lanço fora!
Ir adiante, (Ó estar vivo! Vivendo sempre!) E deixar os cadáveres
         para atrás!



PENSATIVO E VACILANTE.


PENSATIVO e vacilante,
As palavras dos Mortos escrevo,
Porque vivendo estão os mortos,
(Talvez os únicos vivos, os único reais,
E Eu a aparição, Eu o espectro.)




A ÚLTIMA INVOCAÇÃO.


NO último dos fins, e com ternura,
Das paredes da poderosa casa fortaleza,
Do cadeado dos fechos tricotados, da segurança das portas
         bem cerradas,
Deixem-me que seja alentado.

Deixem-me deslizar silenciosamente adiante;
Com a chave da leveza abrir o fecho - com um sussurro,
Ó alma, abrir as portas.

Ternamente - não sejas impaciente,
(Forte é a tua espera, Ó mortal carne,
Forte, Ó amor, é a tua espera.)



UMA CLARA MEIA-NOITE.


ESTA é a tua hora, Ó Alma, o teu voo livre sem palavras,
Longe de livros, de arte, o dia apagado, a lição dada,
Emergente e total, em silêncio, olhando, pesando os temas
           que tanto mais amaste,
Noite, sono, morte e as estrelas.




Germes.


FORMAS, qualidades, vidas, humanidade, língua, pensamentos,
Os mesmos conhecidos e desconhecidos - os mesmos nas estrelas,
As próprias estrelas, algumas formadas, outras por moldar,
Assombros como os daqueles países - o solo, árvores, cidades, habitantes,
           sejam eles quais forem,
Esplêndidos sóis, as luas e os anéis, as infinitas combinações
           e os efeitos;
Similares, quase tanto como similares, aqui visíveis ou em qualquer lugar,
          disponíveis num punhado de espaço, que faço extensivo
          de meu braço e encerro metade em minha mão,
Que detém o início de cada um e de todos - a virtude, os germes
          de tudo.




EU SONHEI DENTRO DE UM SONHO.


EU SONHEI dentro de um sonho, vi uma cidade invencível aos ataques
          de todo o resto da terra;
Eu sonhei que era a nova Cidade de Amigos,
Aí nada era maior que a qualidade do amor robusto, e isso dominava
          todo o resto;
Isso era visto a cada hora nas acções dos homens daquela cidade,
Em todos os seus olhares, em todas as suas palavras.




PERFEIÇÕES.


SÓ os mesmos entendem os mesmos e o semelhante aos mesmos,
Tal como as almas somente entendem as almas.




O QUE SOU AFINAL.


O QUE sou afinal senão uma criança, feliz com o som do meu próprio
           nome? repetindo-o uma e vezes sem conta;
Isolo-me para ouvir - nunca me cansa.

Assim é para o teu nome também;
Pensaste que não havia senão duas ou três formas de articular
          o som do teu nome?




PENSAMENTO.


DAS pessoas que chegaram a posições elevadas, cerimónias, riqueza, graus
            académicos e similares;
(Para mim todas essas pessoas chegaram a esgotos longe de
           si mesmas, senão como um efeito em seus corpos e almas,
Assim para mim é frequente que me pareçam macilentos e nus,
E para mim é frequente que cada um escarneça de outros, e escarneça de si
           mesmo ou de si mesma,
E o centro da vida de cada um, nomeadamente a felicidade, está pleno do
           podre excremento de larvas,
E para mim é frequente que esses homens e mulheres atravessem inconscientes
           as veras realidades da vida e para as falsas se encaminhem,
E para mim é frequente que estão vivos segundo o hábito que lhes serviu,
            e nada mais,
E para mim é frequente que sejam tristes, apressados, e sonâmbulos,
           caminhando a sombra do crepúsculo.)




PARA TI.


ESTRANHO, se ao passar me encontrares e desejares falar comigo, porque
          não deverias falar comigo?
E porque não deveria eu falar contigo?




LÁGRIMAS.


LÁGRIMAS! lágrimas! lágrimas!
Na noite, na solidão, lágrimas,
Na margem branca escorrendo, escorrendo, sugadas pela areia,
Lágrimas, não uma estrela que brilha, tudo é negro e desolado,
Húmidas lágrimas dos olhos de uma cabeça embuçada;
Ó quem é esse fantasma? essa forma no escuro, com lágrimas?
Que massa informe é essa, encurvada, ali, na areia, dobrada?
Lágrimas, lágrimas chorando, espasmos, sufocados com gritos selvagens;
Ó tempestade, encarnada, subindo, movendo-se em passos velozes ao longo da
         praia!
Ó selvagem e sinistra tempestade da noite, com vento - Ó vómito deses-
         perado!
Ó sombra tão séria e decorosa de dia, com semblante calmo
e ritmo pautado,
Mas à noite, longe, como voas, quando ninguém olha - Ó solta-se logo o
         oceano,
De lágrimas! lágrimas! lágrimas!




DEUSES.


AMANTE divino e Camarada perfeito,
Esperando alegre, ainda invisível, mas certo,
Sê o meu Deus.

Tu, tu, o homem Ideal,
Justo, capaz, belo, terno e festivo,
Completo no corpo e amplo no espírito,
Sê o meu Deus.

Ó Morte, (pois que a Vida cumpriu a sua parte,)
Instrumento que abre e conduz à mansão celeste,
Sê o meu Deus.

Algo, alguma coisa de mais poderoso, o melhor que vejo, concebo, ou sei,
(Para quebrar o teu suspenso laço, para te libertar, Ó alma,)
Sê o meu Deus.

Todas as grandes idéias, aspirações das raças,
Todos os heroísmos, proezas de ébrio entusiasmo,
Sede os meus Deuses.

Ou Tempo e Espaço,
Ou forma de Terra divina e esplêndida,
Ou alguma forma justa que vejo, que adoro,
Ou luzente orbe de sol ou estrela na noite,
Sede os meus Deuses.




POETAS QUE HÃO-DE VIR


POETAS que hão-de vir! oradores, cantores, músicos que hão-de vir!
Não é hoje que me justificam e respondem para que fim existo,
Mas vós, uma nova geração, nativa, atlética, continental, maior do que
          antes conhecida,
Despertai! porque me deveis justificar.

Eu mesmo apenas escrevo uma ou duas palavras indicativas do futuro,
Apenas avanço um momento para rodar o tempo e voltar depressa à
         escuridão.

Sou um homem que, passeando adiante sem quase se deter, vos olha
         casualmente e logo desvia o rosto,
Abandonando-o para que possais prová-lo e defini-lo,
Esperando de vós algo maior. 



     
Walt Whitman in Leaves of Grass, 1990.
Introdução de Jerome Loving.
Reimpressão da "Dead-bed Edition" publicada em 1891-'2.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.