Alexander Blok
À Musa
Há notícias de desgraça e desastre
Em tua melodia secreta...
A condenação de tudo que é pensado sagrado,
A profanação de toda a felicidade.
Há uma força de atração tão poderosa
Que, junto com o resto, até mesmo eu
Afirmaria que a atração de tua beleza,
Trouxe os anjos do céu para a Terra...
Quando manchas a crença com a tua risada,
Então acima de ti de repente brilha
O cinza púrpura suave do halo
Que uma vez tive a sorte de ver.
És boa? És má? Não há nada
Deste planeta de todo acerca de ti.
Alguns dizem que és a Musa e uma maravilha,
Mas para mim és os tormentos do inferno.
Não sei dizer por que ao nascer do sol
Na hora em que minha força era tão fraca,
Recuperei, e notei, ali mesmo, o teu rosto,
E implorei o doce consolo de ti.
Estava ansioso pelo calor entre nós,
Então por que esses teus ricos presentes,
Prados floridos, os céus brilhantes -
Toda a maldição implacável da tua beleza?
Mais pérfidas eram as tuas carícias
Que as luzes do norte, rápidas ao declínio,
Mais curtas que o amor de uma cigana,
Mais inebriantes que o dourado champanhe...
Sempre houve um terrível consolo
Em pisar santuário após santuário,
No coração não há mais doce alegria que
Essa minha paixão acre e dura!
A Desconhecida
Acima dos restaurantes todas as noites,
O ar está próximo, quente, sufocante,
E gritos estridentes e embriagados de saudação
Flutuam no hálito fétido da primavera.
Longe, acima das ruas poeirentas,
Acima dos sombrios céus suburbanos,
A placa do padeiro brilha ligeiramente dourada.
Algures, uma criança irritada chora.
E todas as noites, ultrapassando as passadeiras,
Escoltadas por nobres jogadores de bowling,
Arrogantes ondas passeiam com as suas amigas -
Ao longo das margens dos canais.
Acima do lago, o ranger dos remos;
De súbito a voz estridente de uma mulher.
A tudo isso acostumado, o disco lunar
Olha estupidamente para o céu.
E todas as noites, no meu copo de vinho
Vejo o meu único amigo,
Pela poção misteriosa e amarga,
Tal como eu, subjugado e entorpecido.
Perto de mim, nas mesas vizinhas,
Os empregados sonolentos e imóveis,
Os bêbados com olhos de coelho:
In vino veritas! Assim gritam eles.
E todas as noites, à hora marcada
Hora (ou será apenas um sonho?),
Uma forma feminina em trajes de seda
Agita-se na vidraça enevoada da janela.
Abre caminho entre os bêbados,
Nunca escoltada, sozinha,
E lento respirando névoas e perfumes,
Senta-se sozinha perto da janela.
E lendas antigoa, há muito esquecidas
Flutuam nas suas roupas rodopiantes de seda,
O chapéu, enfeitado com plumas negras de luto,
Os dedos delgados embainhados em anéis.
Encantado pela sua proximidade,
Olho através da rede escura do véu,
E vejo uma margem distante de encanto,
E um reino remoto e encantado.
Segredos insondáveis são-me concedidos,
O sol de alguém tornou-se agora meu.
No fundo dos recessos da minha alma
A janela acre e amarga desapareceu.
E penas de avestruz, ligeiramente caídas,
Balançam lentamente no meu cérebro,
E insondáveis olhos azuis brilham
Nas margens desse longínquo domínio.
Trancado no meu coração há um tesouro,
Por fim, finalmente, a chave é já minha!
Sim, tens razão, ó seu monstro bêbado!
Sei disso agora. Há verdade no vinho.
“aqueles que nasceram em épocas de estagnação”
Aqueles que nasceram em épocas de estagnação
Não se conseguem lembrar do caminho que escolheram.
Nós, filhos dos anos terríveis da Rússia
Não podemos esquecer um único dia.
Anos do holocausto! Poderia haver
Em ti notícias de esperança ou de loucura?
Dos dias de guerra, dos dias de liberdade
Um brilho sangrento brilha em nossos rostos.
A estupidez prevalece: o toque de recolher
Exige que todos os lábios estejam selados.
Em corações tão exaltado que eram antes
Um vazio fatal está agora se esconde.
E ainda que acima do nosso leito de morte
Os bandos de corvos gritantes se elevem -
Ó Senhor, ó Senhor, que os mais dignos,
Sobre o Teu reino fixem os seus olhos!
Alexander Blok in Selected Poems, Progress Publishers, 1981.
Tradução a partir do Russo de Alex Miller.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.