Charles Bukowski
GOSTO DOS SEUS LIVROS
Na fila de apostas o outro
dia
o homem atrás de mim perguntou:
"o senhor é Henry
Chinaski?"
"huh huh," respondi.
"gosto dos seus livros", continuou.
"obrigado", respondi.
"de qual gosta neste
corrida?", perguntou.
"huh huh", respondi.
"gosto do cavalo 4",
disse-me,
fiz a minha aposta e regressei
ao meu lugar....
na próxima corrida estou de pé
na fila e eis que o mesmo homem
está de novo atrás de mim.
há pelo menos 50 filas com
bilheteiras, mas
tem que encontrar novamente
a minha.
"acho que esta corrida favorece os
que correm melhor no fim", disse atrás
do meu pescoço. "a pista parece
pesada."
"escute", disse, sem olhar
à volta, "é o beijo da morte falar
sobre cavalos
numa corrida..."
"que tipo de regra é essa?"
perguntou. "Deus não faz
as regras..."
voltei-me e olhei para ele:
"talvez não, mas eu
faço."
depois da próxima corrida
entrei na fila, olhei para trás,
não estava ali:
perdi outro leitor.
perco 2 ou 3 em cada
semana.
excelente.
deixem-nos regressar a
Kafka.
SOLUCIONANDO
Van Gogh cortou
a orelha
e
ofereceu-a a uma
puta
que a deitou fora
muito
desgostosa
SOZINHO COM TODA A GENTE
a carne cobre o osso
aí colocam uma mente
e
às vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
demasiado
e ninguém encontra a
alma gémea
mas continua
a procurar
rastejando dentro e fora
de camas.
a carne cobre o osso e a
carne procura mais que
a carne.
não há de todo
saída:
estamos armadilhados
por um destino
singular.
Ninguém alguma vez encontra
a alma gémea.
as lixeiras da cidade enchem-se
os ferros-velhos enchem-se
os hospícios enchem-se
os hospitais enchem-se
os cemitérios enchem-se
nada mais
se enche.
AMOR & FAMA E MORTE
senta-se do lado de fora da minha janela
como uma velha indo
ao mercado;
senta-se e observa-me,
transpira
nervosamente
através do arame e neblina e latido do cão
até
que de repente
bato no vidro com um jornal
como dando uma
pancada numa mosca
e podias ouvir o grito
sobre esta cidade
plana,
e então foi-se embora.
a maneira de terminar um
poema
como este
é tornar-se de repente
tranquilo
O GRANDE VAGABUNDO
sempre fui um idiota natural
gostava de me deitar na cama
em camisola interior (manchada, de
claro) (e com buracos
de cigarro)
sapatos fora
garrafa de cerveja na mão
tentando livrar-se de uma
noite difícil, digamos com uma
mulher ainda por perto
gatinhando pelo chão
queixando-se disto e
daquilo,
e eu daria um
arroto e diria: "Ei, não
GOSTAS DISTO? ENTÃO PÕE O TRASEIRO
FORA DAQUI!"
Eu realmente amava-me,
realmente amei o vagabundo
de mim próprio, e ambos
pareciam também:
saindo sempre
mas quase
sempre
regressando.
DINOSAURIA, NÓS
Nascidos assim
No meio disto
Quando as caras de giz traçam sorrisos
Quando a Sra. Morte dá gargalhadas
Quando os elevadores entram em colapso
Quando os cenários políticos se corrompem
Quando o rapaz do supermercado possui diploma universitário
Quando o peixe de conserva cospe a presa oleosa
Quando o sol coloca a sua máscara
Somos
Nascidos assim
No meio disto
Nestas guerras cuidadosamente loucas
Na visão das janelas de fábrica quebradas de vazio
Em bares onde as pessoas já não falam umas com as outras
Em lutas de punhos que terminam em tiroteio e facadas
Nascidos no meio disto
Em hospitais tão caros que é mais barato morrer
Entre advogados que cobram tanto que é mais barato alegar-se culpado
Num país onde as prisões estão cheias e os hospícios encerrados
Num lugar onde as turbas promovem tontos a ricos heróis
Nascidos no meio disto
Caminhando e vivendo através disto
Morrendo por causa disto
Calados por causa disto
Castrados
Debochados
Deserdados
Por causa disto
Enganados por isto
Usados por isto
Irritados por isto
Enlouquecidos e doentes por isto
Feitos violentos
Feitos desumanos
Por causa disto
O coração enegreceu
Os dedos tentam alcançar a garganta
A arma
A faca
A bomba
Os dedos tentam alcançar um deus indiferente
Os dedos tentam alcançar a garrafa
A pílula
O pó
Nascemos nesta triste vida a prazo
Nascemos num governo com 60 anos de dívida
Que em breve não conseguirá sequer pagar os juros da dívida
E os bancos irão arder
O dinheiro será inútil
Haverá assassinato às claras e impune nas ruas
Haverá armas e gangues erráticos
A terra será inútil
A comida será um valor decrescente
O poder nuclear será controlado por multidões
Explosões irão continuamente agitar a terra
Homens-robô radioactivos irão perseguir-se uns aos outros
Os ricos e os escolhidos a tudo assistirão de plataformas espaciais
O Inferno de Dante será obrigado a parecer um parque infantil
O sol nunca será avistado e haverá sempre noite
As árvores morrerão
A vegetação inteira morrerá
Homens radioactivos comerão a carne de homens radioactivos
O mar será envenenado
Os lagos e rios irão desaparecer
A chuva será o novo ouro
Os corpos podres de homens e animais federão ao vento escuro
Os últimos sobreviventes serão alvo de novas e horríveis doenças
E as plataformas espaciais serão destruídas pela atrição
O decréscimo dos suprimentos
O natural efeito do declínio geral
E haverá o mais belo silêncio jamais ouvido
Nascido fora disso.
O sol ainda ali se esconde
A aguardar o próximo capítulo