Wallace Stevens

HISTORIA DO JARRO


Coloquei um jarro em Tennessee,
E redondo era ele, sobre um outeiro.
Fez o mato desalinhado
Rodear aquele outeiro.

O mato ergueu-se até ele,
E estendeu-se em redor, não já bravio.
O jarro era redondo sobre o chão
E alto e de porte erguido no ar.

Ganhou domínio por toda a parte.
O jarro era cinzento e liso.
Nada deu de pássaros nem de arbustos,
Como nenhuma coisa mais em Tennessee.



TEORIA


Sou o que me rodeia.

As mulheres compreendem isto.
Não se é duquesa
A cem metros de uma carruagem.
Estes, então, são retratos:
Uma antecâmara preta;
Uma calma alta protegida por cortinas.

Isto são meros exemplos.



DA POESIA MODERNA


O poema da mente no acto de encontrar
Quanto baste. Nem sempre teve
Que encontrar: a cena estava montada; repetia o que
Estava no guião.
                         Então o teatro foi mudado
Para outra coisa. Seu passado era uma lembrança.
Ele tem que estar vivo, que aprender o discurso do sítio.
Tem que enfrentar os homens do tempo e encontrar-se com
As mulheres do tempo. Tem que pensar sobre a guerra
E tem que encontrar quanto baste. Tem
Que construir um novo palco. Tem que estar nesse palco
E, como um actor insaciável, vagarosamente e
Com meditação, dizer palavras que ao ouvido,
Ao mais delicado ouvido da mente, repitam,
Exactamente o que ele quer ouvir, ao som
Das quais, uma audiência invisível escuta,
Não a peça, mas a si mesma, expressa
Numa emoção como de duas pessoas, como de duas
Emoções a tornarem-se numa. O actor é
Um metafísico no escuro, tangendo uma corda de metal que dá
Sons a passarem por súbditas exactidões, na totalidade
a conter a mente, abaixo da qual não pode descer,
Além da qual não quer elevar-se.
                                                 Deve
Ser o encontrar uma satisfação, e pode
Ser um homem patinando, uma mulher dançando, uma mulher
Penteando-se. O poema do acto da mente.



Wallace Stevens, in Ficção Suprema, 1991.
Tradução e Prefácio de Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos.




Pão Seco


Igual a viver numa terra de tragédia é 
Viver num tempo de tragédia.
Olhai agora os rochedos montanhosos e inclinados
E o rio que força o seu caminho sobre pedras,
Olhai os casebres daqueles que vivem nesta terra.
Aquilo foi o que eu pintei por trás do pão seco,
Os rochedos nem sequer tocados de neve,
Os pinheiros ao longo do rio e homens tisnados pelo vento,
Escuros como o pão, pensando em pássaros
Vindos de países escaldantes e litorais de areia escura,
Pássaros que vieram como água suja em ondas,
Voando por cima dos rochedos, voando por cima do céu,
Como se o céu fosse uma corrente que os trouxesse,
Espalhando-os como se espalham as ondas pela praia,
Uma após outra, tornando nuas as montanhas.
Era um bater de tambores o que eu ouvi
Era a fome, eram os famintos que gritavam
E as ondas, as ondas eram soldados movendo-se,
Marchando, marchando num tempo de tragédia,
Abaixo de mim, no asfalto, sob as árvores.
Eram soldados que seguiam marchando nos rochedos
E os pássaros chegavam ainda, chegavam em bandos marítimos,
Porque era primavera e os pássaros tinham que chegar.
Sem dúvida que os soldados tinham que marchar
E que os tambores tinham que rufar, rufar, rufar.



Wallace Stevens in Antologia, 2005.
Tradução e Introdução de Maria Andersen de Sousa.
(poema publicado originalmente em 1942)