Louise Glück
CANA
O que posso dizer que não saibas,
que te vai fazer tremer de novo?
Forsítia
na beira da estrada, por
rochas molhadas, nos aterros
com jacinto debaixo -
Por dez anos fui feliz.
Estavas lá; em certo sentido,
estiveste sempre comigo, a casa, o jardim
constantemente iluminado,
não com luzes como temos no céu
mas com aqueles emblemas de luz
que são mais poderosos, sendo
implicitamente alguma terrena
coisa transformada -
E tudo desapareceu,
reabsorvido no impassível processo. Então
o que veremos,
agora que as tochas áureas se tornaram
ramos verdes?
A ÍRIS SELVAGEM
No fim do meu sofrimento,
havia uma
porta.
Ouve-me: aquilo a que chamas morte,
eu
lembro-me.
Por cima da cabeça, ruídos, movimentos
dos ramos de pinho.
Depois nada. O sol fraco cintilou
sobre a superfície seca.
É terrível sobreviver
como consciência
enterrada na terra escura.
Depois
acabou: aquilo que temes, sendo
uma alma e incapaz de falar,
terminando abruptamente, a terra dura
cedendo um pouco. E o que imaginei ser
pássaros voando em arbustos baixos.
Tu que não lembras
a passagem do outro mundo.
Digo-te que poderia falar de novo: o que quer
que regresse do Esquecimento regressa
para encontrar uma voz:
Do
centro da minha vida veio
uma grande fonte, sombras azuis profundas
na água do mar azul.
ABRIL
O meu desespero é como o de ninguém -
Não tens lugar neste jardim
a pensar essas coisas, a produzir
os cansativos sinais externos; o homem
a arrancar as ervas daninhas de uma floresta inteira,
a mulher coxeando, recusando-se a trocar de roupa
ou a lavar o cabelo.
Supões que me interessa
se falam um com o outro?
Quero que saibas
que esperava melhor de duas criaturas
a quem ofereceram mentes: se não
se importassem realmente um com outro
pelo menos entenderias
que a dor é distribuída
entre ti, entre toda a tua espécie, para eu
te conhecer, como um azul profundo
marca a escila selvagem, branca
a madeira violeta.
RETRATO
Uma criança desenha o contorno de um corpo.
Desenha o que pode, inteiramente em branco,
não pode preencher o que sabe lá não estar.
Dentro da linha sem suporte, ela sabe
que a vida está ausente; recortou
o fundo de um outro fundo.
Como uma criança, recorre a sua mãe.
E tu desenhas o coração
contra o vazio que criou.
CAVALO
O que te dá o cavalo
Que não possa dar-te?
Vejo-te quando estás sozinha,
Quando entras no campo atrás da leiteria,
As tuas mãos enterradas na crina escura
Da égua.
Então sei o que esconde o teu silêncio:
Desprezo, ódio por mim, pelo casamento. Ainda,
queres que te toque; gritas
Como as noivas gritam, mas quando olho para ti vejo que
não há crianças no teu corpo.
Então o que há?
Nada, penso. Só a pressa
De morrer antes de eu morrer.
Em sonhos, vi-te montando o cavalo
Sobre os campos secos e a seguir
Desmontar: os dois caminharam juntos;
No escuro, não tinhas sombras.
Mas senti-as vindo na minha direcção
Já que à noite viajam a qualquer lugar,
São senhoras de si mesmas.
Olha para mim. Pensas que não entendo?
O que é o animal
Senão uma passagem para fora desta vida?
Louise Glück in Poems, Poemhunter, The World's Poetry Archive, 2004.
Versão Portuguesa de Luísa Vinuesa.